Se o diabo está nos detalhes, no mundo da contabilidade esses detalhes são dezenas de páginas de notas explicativas que acompanham os balanços - e que muitas vezes passam despercebidas pelos investidores. No calhamaço de 76 páginas referente aos dados do segundo trimestre de 2011, a Vale diz, na página 39, que a elevação das perdas possíveis em processos judiciais e administrativos "reflete a mudança do prognóstico de autuações pela autoridade fazendária brasileira" a respeito da incidência de Imposto de Renda e Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) no ganho de controladas e coligadas no exterior, prevista no artigo 74 da Medida Provisória 2.158.
A companhia disse que, com base "em jurisprudências e estudos sobre a matéria, os consultores jurídicos [da companhia] alteraram a probabilidade de perda remota para possível". O caso ganhou as páginas dos jornais no fim de novembro, depois que a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional disse que a Vale poderia ter que pagar R$ 25 bilhões por conta desse processo.
Entre as dez maiores empresas por valor de mercado, outras quatro também informam disputa sobre cobrança de IR e CSLL sobre lucro no exterior. São elas: Petrobras (R$ 1,97 bilhão), Ambev (R$ 2,3 bilhões), Itaú (R$ 483 milhões) e BRF Brasil Foods (R$ 164 milhões).
Com exceção da Vale, as demais empresas não financeiras da amostra já classificavam como "possível" a perda nesses processos em dezembro de 2010.
Em setembro, a Ambev reduziu a estimativa de perda possível nesse caso em R$ 700 milhões (em dezembro, ela era de R$ 3 bilhões) após ter obtido uma decisão favorável no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), para a qual não cabe recurso.
Já o Itaú é o único do grupo a ter provisão constituída para essa causa, por tratar a cobrança como uma obrigação legal. Pela regra do Banco Central, se existe uma lei exigindo o pagamento de um tributo, mesmo que o banco considere que a chance de ganhar uma disputa judicial contra a cobrança é praticamente certa, ele é obrigado a registrar a despesa referente a esse pagamento.
No caso da Vale, a própria companhia havia divulgado, em fato relevante no fim de março, que teve uma decisão desfavorável sobre a matéria no Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Em novembro foi publicado o acórdão sobre a referida decisão, sendo que a Vale alegou que o tema ainda será discutido no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF).
Em agosto, o STF tratou de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) a respeito dessa cobrança. Houve um racha no plenário, com cinco ministros votando para cada lado, mas com um voto favorável a mais para a Fazenda em relação à cobrança de IR e CSLL sobre lucro de controladas (mas não de coligadas). Falta a manifestação do ministro Joaquim Barbosa, que, segundo o Valor apurou, terminou seu voto em dezembro, o que permite a retomada do julgamento em fevereiro.
"Mas seja qual for o resultado, ele não vai servir de base para solucionar todas as ações que tramitam sobre o tema, tanto no Judiciário como no Carf", diz Rodrigo Leporace Farret, advogado do Bichara, Barata, Costa & Rocha Advogados.
Segundo ele, os próprios ministros do STF já sinalizaram que o julgamento da Adin não esgota o tema. Uma das questões específicas que devem ser examinadas, diz ele, é se os negócios envolvem ou não paraísos fiscais e também se existe acordo internacional contra bitributação. "Essas questões mais minuciosas, que aparentemente são detalhes, é que dão os contornos dos casos."
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