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07 setembro 2011

Modelos de banco central

Há consenso de que a crise financeira de 2008 foi em boa medida resultado de uma combinação de política monetária e ambiente regulatório excessivamente relaxados nas economias maduras, em especial nos Estados Unidos.

Os Estados Unidos, por sinal, não praticavam nem praticam o regime de metas para a inflação, e atribuem um mandato amplo à política monetária, que, além da estabilidade de preços, deve também zelar pelo crescimento/emprego, bem como conter as taxas de juros de longo prazo. Dessa forma, fica difícil atribuir ao regime de metas a responsabilidade pela crise.

Não obstante, o pós-crise tem ensejado um aumento do experimentalismo entre os bancos centrais, inclusive os que praticavam o regime de metas para a inflação. Isso deriva de cobranças da sociedade por ações que mitiguem os efeitos da crise, o que tende a se intensificar à medida que a margem de manobra da política fiscal se estreita.

Uma das características gerais desse experimentalismo é a maior tolerância para com a inflação. Certos bancos centrais, aparentemente abstraindo as lições do desastre macroeconômico dos anos 1970, parecem crer que vale a pena aceitar taxas de inflação mais altas por mais tempo, no afã de evitar maiores declínios da atividade.

Isso é verdade mesmo em economias como o Reino Unido, nas quais problemas setoriais, como a falta de competitividade de segmentos do setor industrial, parecem bem impermeáveis aos efeitos da política monetária. A propósito, o modelo britânico combina certo grau de leniência na política monetária com um genuíno e severo ajuste fiscal, implementado por um governo que visa reduzir o tamanho do Estado.

Um dos experimentos mais curiosos ocorre na Turquia. Naquele país, o banco central, ainda que nominalmente continue implementando um regime de metas para a inflação, aproveitou a crise para alterar profundamente o arcabouço da política monetária.

Em especial, o Banco Central turco adicionou a doses robustas de leniência inflacionária uma estratégia de redução “estrutural” das taxas de juros. Estas, que estavam em 16,75% ao ano em outubro de 2008, encontram-se em 5% ao ano (para depósitos no BC) e 8% (para empréstimos) atualmente, com expectativas de inflação de 6,8% para os próximos 12 meses. Com isso, a taxa de juros real, que era de 7,4%, passou para algo entre -1,7% e 1,1% ao ano. O controle da demanda tem sido conduzido basicamente por meio de uma bateria de medidas de controle de crédito.

A política do BC turco tem sido bem-sucedida em reduzir a taxa real de juros -por quanto tempo, não se sabe. Tal posição, que certos analistas atribuem às preferências políticas do atual governo, de orientação religiosa, tem contribuído para reduzir a atratividade dos investimentos denominados em liras turcas.

De fato, a moeda teve depreciação de 15% neste ano -mesmo assim, as elevações de custos têm erodido os potenciais ganhos de competitividade daí derivados.

De resto, os resultados do experimento turco têm deixado bastante a desejar.

Do ponto de vista da situação econômica interna, apesar dos expressivos cortes das taxas de juros na crise, o PIB teve crescimento médio de apenas 1,4% em 2008-10, com contração de quase 5% em 2009.

Por sua vez, a inflação média foi de 7,7% entre 2008 e 2010, e deve mostrar aceleração no corrente ano, segundo as projeções do FMI (Fundo Monetário Internacional). No que se refere ao setor externo, o deficit em conta-corrente, que havia baixado de 5,7% para 2,3% do PIB entre 2008 e 2009, voltou a se ampliar nos últimos anos, e, segundo os economistas do FMI, pode chegar a 8% do PIB em 2011 -embora esse resultado seja muito influenciado pelas importações de energia.

Não será surpresa se os resultados do experimentalismo turco se mostrarem decepcionantes.

Afinal, a maioria dos economistas há de reconhecer que não existem soluções macroeconômicas para problemas estruturais, como investimento insuficiente na qualificação da mão de obra e treinamento, logística deficiente e taxa de poupança baixa.

Fonte: MARIO MESQUITA, 45, doutor em economia pela Universidade de Oxford, escreve às quartas-feiras, a cada 14 dias, para a Folha de S.Paulo

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