A expansão da economia tem feito o País encarar a falta de investimento público na área de educação e, agora, corre atrás do prejuízo para evitar o que já se convencionou chamar de apagão de mão de obra. O Brasil vive, atualmente, da “mão para a boca” para preencher a oferta de postos de trabalho nos mais variados segmentos, principalmente de vagas mais qualificadas. A dificuldade, porém, criou oportunidades de negócios para as empresas que decidiram assumir a dianteira na oferta de vagas para a formação superior. Só na semana passada, dois grupos de educação foram às compras. O lance mais ousado foi dado pelo grupo Anhanguera, de São Paulo, que adquiriu a rede Uniban por R$ 510 milhões. Também a Kroton Educacional anunciou sua terceira aquisição este ano. A empresa adquiriu a União Sorrisense de Educação, em Sorriso, em Mato Grosso, por R$ 7 milhões. Antes a Kroton havia arrematado a Faculdade Atenas Maranhense, no Maranhão, e a União, em Ponta Grossa, no Paraná, em operações que somaram R$ 32 milhões. A empresa avalia, ainda, outras 34 oportunidades de compra.
Atualmente, a educação superior movimenta R$ 28 bilhões por ano no País, com 2.160 instituições privadas, três vezes mais do que nos anos 1990. Grande parte dessa expansão é fruto do investimento maciço feito principalmente por grupos financeiros que entraram no controle das universidades, com a desregulamentação do setor em 1998. Das 15 maiores instituições de ensino no País por faturamento, nove têm a participação de fundos, explica Ryon Braga, presidente da Hoper Consultoria em Educação, do Paraná. “Eles ajudaram a aumentar o número de universitários de 1,8 milhão, em 1998, para os atuais seis milhões de alunos”, diz Braga. A maior parte dos grupos privados buscou escala com fusões e aquisições, ampliando a oferta de vagas para as classes C e D. Um dos fatores decisivos para o maior acesso dos filhos da classe média emergente foi a combinação virtuosa do aumento de renda da população com a redução das mensalidades, cujo valor médio caiu de R$ 980 para R$ 457, propiciada pelo aumento da concorrência no setor.
A despeito da crescente participação dos alunos egressos das faixas populares, algumas instituições optaram por competir como marcas premium, para atender às classes A e B+, com mensalidades mais salgadas, mas com ofertas de cursos diferenciados e infraestrutura de última geração. É o caso da Anhembi Morumbi, que oferece hoje 130 cursos, incluindo gastronomia, design e aviação civil, em salas dotadas de equipamentos de última geração, com mensalidades acima de R$ 1 mil, mais do que o dobro da média do setor. O curso de aviação, por exemplo, conta, inclusive, com um simulador de voo Boeing 737 NG, similar aos utilizados pelas companhias aéreas. A Anhembi Morumbi também está ampliando a oferta de vagas, com o aumento do número de campi na cidade de São Paulo: o objetivo é sair das atuais seis faculdades e 32 mil alunos, para 13 campi e 70 mil alunos até 2016. “Estamos reforçando, também, a grade de cursos para atender à demanda do mercado brasileiro”, diz Ricardo Grau, CEO da Anhembi Morumbi, que não revela o valor do investimento. Sabe-se apenas que um dos campi a serem inaugurados até o final do ano custou cerca de R$ 10 milhões.
A Anhembi Morumbi tem como parceiro, desde 2005, o fundo de private equity americano Laureate, que participa também do controle de outras dez universidades fora de São Paulo, como a Uninorte, em Manaus, e a Universidade Potiguar, no Rio Grande do Norte. Estima-se que a Laureate venha a investir R$ 1 bilhão até 2015 no Brasil, um dos 28 países em que atua, incluindo China, Estados Unidos e Suíça. O CEO da Laureate, José Loureiro, não confirma o valor a ser aplicado, mas admite que o Brasil tornou-se um mercado decisivo. “Temos 130 mil alunos no País, ou 20% do total, que estão sob o guarda-chuva da Laureate”, diz Loureiro. Outro grupo empresarial que se posiciona no segmento premium é o Ibmec, do Rio de Janeiro, que está associado ao fundo americano Kapital Group, e conta hoje com três campi de graduação e pós em Minas Gerais, Rio e Brasília, além de nove escolas parceiras em pós-graduação, em cursos como economia e administração. “Pelo menos 15 cidades no País comportam escolas como o Ibmec”, diz Vandyck Silveira, CEO do grupo. A meta é ampliar o número de alunos de 13 mil para 40 mil num período de cinco a sete anos. “Não importa o prazo, queremos manter a qualidade que diferencia nossos alunos e lhes garante alto grau de empregabilidade”, afirma Silveira.
É a capacidade do mercado de absorver os recém-formados que deve nivelar daqui para a frente as universidades privadas, avalia Braga, da Hoper. “Em breve, o mercado vai filtrar os candidatos que estudaram em escolas que agregam menor valor”, diz Braga. Isso porque uma mensalidade pode variar de R$ 120 até os R$ 3 mil cobrados pelo Ibmec, dependendo da estrutura oferecida. No caso do Ibmec e da Anhembi Morumbi, a diferenciação ocorre, por exemplo, com a oferta de intercâmbio em escolas de fora do País ou investindo nos cursos onde há mais carência de profissionais, como engenharia. “Nossa primeira turma de engenharia começará em 2012”, diz Silveira, do Ibmec. Todo esforço do setor privado, entretanto, é incapaz de suprir a carência por mão de obra especializada de nível superior que existe hoje em áreas como energia, petróleo e tecnologia. Outra falha grave que parece longe de ser resolvida é a quantidade de alunos carentes que não conseguem acessar o ensino superior.
O governo criou mecanismos que auxiliaram o acesso dos alunos de menor poder aquisitivo com a oferta de crédito educativo mais barato de programas como ProUni e Fies, mas ainda insuficiente. Segundo o consultor Braga, embora esse tipo de política seja importante, o contingente de bolsistas representa apenas 10% das vagas no ensino superior privado. “É muito baixo, comparando-se com outros países, como Colômbia ou Chile, onde o crédito público representa mais de 40% das vagas em instituições privadas”, diz Braga. O Plano Nacional de Educação prevê que até 2020 o País tenha dez milhões de universitários, mas o poder público não consegue preencher esse espaço, ainda que os investimentos em educação tenham passado de 3,9% do PIB em 2000 para 5% em 2009. A distorção incomoda até mesmo os empresários do setor privado. “É um absurdo que o País gaste tanto com universidades públicas que vão atender somente os alunos que puderam custear escolas privadas de boa qualidade”, diz Vandyck Silveira, do Ibmec.
Fonte: Aqui
26 setembro 2011
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