A Gafisa, única incorporadora imobiliária brasileira com papéis negociados na Bolsa de Nova York, terá que reapresentar nos Estados Unidos o balanço de 2009 no padrão americano, por conta de um entendimento que a auditoria externa, Ernst & Young, teve sobre classificações contábeis que tinham sido feitas pela empresa e aprovadas sem ressalvas pela antiga auditoria, Terco, adquirida pela E&Y em setembro do ano passado.
As diferenças afetam o reconhecimento de receita, a posição de caixa e o registro de despesas financeiras da companhia. Somente o primeiro ponto terá efeito no resultado e patrimônio, ainda não mensurado totalmente.
As mudanças ocorrerão apenas na reconciliação dos números para o padrão conhecido como US Gaap, publicada em nota explicativa do formulário anual de informações da Securities and Exchange Commission (SEC), chamado 20-F.
Os balanços de 2009 e 2010 divulgados no Brasil, que seguem o padrão internacional de contabilidade IFRS, conforme aprovado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), continuam valendo, assim como os pareceres sem ressalva de Terco e Ernst & Young.
Apesar de a E&Y ter sido a principal responsável pela decisão de que o balanço de 2009 seja reapresentado nos Estados Unidos, ela não poderá dar parecer sobre os números.
Naquele ano, antes da aquisição da Terco, a Ernst & Young prestava serviço de auditoria interna para a Gafisa. Conforme entendimento da SEC, não haveria conflito de interesse se ela fosse auditora externa para o balanço de 2010. Mas, como os demonstrativos financeiros de 2009 terão que ser reapresentados, a conclusão é que ela está impedida de dar o parecer.
Representantes da Gafisa chegaram a conversar com membros da SEC em Washington, há duas semanas, destacando que a própria necessidade de republicação do balanço seria um indicativo da independência da E&Y, mas não tiveram sucesso.
Uma nova firma de auditoria foi contratada na sexta-feira, conta Fernando Calamita, diretor de planejamento e controle da Gafisa. Ele não revela o nome da empresa, porque a SEC precisa ser informada antes.
Em relação à posição de caixa, a diferença de entendimento da Ernst & Young se deve aos recursos que a empresa possui em um fundo de investimento exclusivo. Como a aplicação permite resgate no curto prazo, ela era classificada na conta de “caixa ou equivalentes de caixa”.
No entender da nova auditoria, pelo fato de ser um fundo exclusivo, deve-se olhar os ativos que compõem a carteira – e não apenas o fundo -, sendo que há títulos com vencimento em prazos mais longos. Nesse caso, o registro deve ser feito na conta de aplicações financeiras.
Outra divergência de entendimento está ligada a negócios que a Gafisa tem em parceria com o Itaú Unibanco. O banco é sócio da Gafisa em alguns empreendimentos estruturados como sociedades por cota de participação. O resultado e os dividendos a que a instituição financeira tem direito eram registrados como participação minoritária. No entender da EY, por se tratar de um negócio com um banco e pelas características do contrato, o registro deveria ser feito na conta de despesas financeiras.
Nesses dois casos, houve apenas reclassificação entre contas, sem impacto no resultado. E a Gafisa fez as duas alterações também no balanço brasileiro de 2010, com a adoção do IFRS.
A mudança mais complicada e que afetará apenas o resultado da Gafisa em US Gaap está ligada ao reconhecimento de receita.
No Brasil, desde o início das vendas, ainda na fase de lançamento de um empreendimento, já é possível registrar receita correspondente ao custo da compra do terreno. No padrão americano, o registro só pode ser feito a partir da fundação da obra e depois que o comprador paga ao menos 5% do valor devido, o que indicaria um real comprometimento com a aquisição.
Isso já era seguido pela Gafisa. A mudança ocorre nos casos em que há cancelamento de compras, chamados distratos. Quando um comprador desiste do imóvel, ele recebe uma parte do valor já pago de volta – descontadas as despesas de venda, marketing, contratos etc.
Esse valor devolvido era registrado pela Gafisa como despesa com devedores duvidosos.
No entender na Ernst & Young, o montante deve ser abatido da receita, em todos os contratos. E essa possível devolução deve constar do cálculo dos 5% que permitem o início do registro da receita. Em um exemplo: se o comprador já quitou 9% do valor do imóvel, mas com a possível devolução em caso de distrato teria pago apenas 4,5% do valor do apartamento, a receita não pode ser registrada, independentemente da fase da obra.
Segundo o diretor de planejamento e controle da Gafisa, tanto a Terco, quando era parceira da Grant Thornton, quanto a PricewaterhouseCoopers (PwC), que auditou os números em 2007 e 2008, tinham visão diferente da mostrada pela EY agora.
Ainda segundo Calamita, a republicação do balanço só deve ocorrer no prazo de quatro meses, já que exige revisão de contrato por contrato de 2009 e também dos anos anteriores. Para dificultar mais o processo de recálculo, o sistema de informática usado na subsidiária Tenda, na época, era da Microsiga, enquanto hoje os controles são feitos pelo SAP.
Diante do caso, a empresa pediu prazo adicional à SEC para reapresentar o 20-F de 2009 e também o documento de 2010.
Fonte: Fernando Torres, Valor Economico
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