A seguir, trechos da entrevista com Miguel Nicolelis, concedida ao Estado de São Paulo, sobre ciência
O que você acha da política científica brasileira?
Está ultrapassada. Principalmente, a gestão científica. Foi por isso que eu escrevi o Manifesto da Ciência Tropical (PS do Viomundo: publicado primeiro aqui mesmo, neste espaço). O mais importante nós temos: o talento humano. Mas ele é rapidamente sufocado por normas absurdas dentro das universidades. Não podemos mais fazer pesquisa de forma amadora. Devemos ter uma carreira para pesquisadores em tempo integral e oferecer um suporte administrativo profissional aos cientistas.
Visitei um dos melhores institutos de física do País, na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e o pessoal não tem suporte nenhum. Se um americano do Instituto de Física da Universidade Duke visitar os pesquisadores brasileiros, não vai acreditar. Eles tomam conta do auditório, fazem os cheques e compram as coisas, porque não é permitido ter gestores científicos com formação específica para este trabalho. Nós preferimos tirar cientistas que despontaram da academia. Aqui no Brasil há a cultura de que, subindo na carreira científica, o último passo de glória é virar um administrador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) ou da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). É uma tragédia. Esses caras não tem formação para administrar nada. Nem a casa deles. Não temos quadros de gestores. A gente gasta muito dinheiro e presta muita atenção em besteira e não investe naquilo que é fundamental.
Como
avaliar mérito na academia?
Nós publicamos mais do que a Suíça. Mas o impacto da ciência suíça é muito
maior. Basta ver o número de prêmios Nobel lá. E eles têm apenas cinco milhões
de habitantes. Na academia brasileira, as recompensas dependem do que eu chamo
de "índice gravitacional de publicação": quanto mais pesado o
currículo, melhor. Ou seja, o cientista precisa colecionar o maior número de
publicações - sem importar tanto seu conteúdo. Não pode ser assim. O mérito tem
de ser julgado pelo impacto nacional ou internacional de uma pesquisa. Não
podemos dizer: quem publica mais, leva o bolo. Porque aí o sujeito começa a
publicar em qualquer revista. Não é difícil. A publicação científica é um
negócio como qualquer outro. Mesmo se você considerar as revistas de maior
impacto. Também não adianta criar e usar um índice numérico de citações (que
mede o número de citações dos artigos de um determinado cientista).
Talento não está no número de citações: é imponderável. Meu departamento na
Universidade Duke nunca pediu meu índice de citação. Também nunca calculei.
Quando sai do Brasil, achei que estava deixando um mundo de lordes da ciência.
Fui perguntando nome por nome lá fora. Ninguém conhecia. Ninguém sabia quem
era. Críamos uma bolha provinciana que deve ser estourada agora se o Brasil
quer dar um salto quântico. Mas as pessoas têm receio de falar com medo de
perder o financiamento. Há outras formas de medir o impacto científico: ver o
que cara está fazendo e consultar a opinião de pessoas que importam no mundo,
dos líderes de cada área. Sob este ponto de vista, o impacto da ciência
brasileira é muito baixo. E precisamos dizer isso sem medo. Não dá para
esconder o sol com a peneira.
Quando decidem criar um Instituto Nacional (de Ciência e Tecnologia), em vez de
dividir o dinheiro entre 30 ou 40 pesquisadores promissores, preferem
pulverizar o dinheiro entre 120 cientistas, muitos deles com propostas que não
vão chegar a lugar nenhum. Cada um recebe um R$ 1 milhão, uma quantia
considerável na opinião de muita gente mas que não paga nem a conta de luz de
um projeto bem feito. Não podemos ter receio de selecionar os melhores. Você
precisa escolher os bons jogadores, não os pernas-de-pau. Outra coisa: só o
Brasil ainda admite cientista por concurso público. Cientista tem de ser
admitido por mérito, por julgamento de pares, por entrevista, por compromisso,
por plano de trabalho.
Qual
é o futuro dos jovens pesquisadores no País?
Atualmente, eles têm uma dificuldade tremenda de conseguir dinheiro porque não
são pesquisadores 1A do CNPq. Você precisa ser um cardeal da academia para
conseguir dinheiro e sobressair. Com um físico da UFPE, cheguei à conclusão de
que Albert Einstein não seria pesquisador 1A do CNPq, porque ele não preenche
todos os pré-requisitos - número de orientandos de mestrado, de doutorado.
Se Einstein não poderia estar no topo, há algo errado. Minha esperança é que o
futuro ministro ataque isso de frente pois, até agora, ninguém teve coragem de
bater de frente com o establishment da ciência brasileira. Ninguém teve coragem
de chegar lá e dizer: "Chega! Não é assim! A ciência não está devolvendo
ao povo brasileiro o investimento do povo na ciência." Os cientistas brilhantes
jovens não têm acesso às benesses que os grandes cardeais - pesquisadores A1 do
CNPq - têm, muitos deles sem ter feito muita coisa que valha.
Além disso, veja a situação do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT,
que assessora o presidente da República nas decisões relacionadas à política
científica). O presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC) - agora, um
grande matemático - me perdoe, mas ele não deveria ter cadeira cativa nesse
conselho. O Brasil deveria ter um conselho de gente que está fazendo ciência
mundo afora. E não pessoas que ocupam cargos burocráticos em associações de
classe. Deveria ser gente com impacto no mundo. E pessoas jovens com a cabeça
aberta. Mas as pessoas têm muita dificuldade de quebrar esses rituais.
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