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22 janeiro 2011

Hábito

Imagine com seria a vida se você não fosse capaz de se acostumar. O décimo bombom seria tão saboroso quanto o primeiro. O calor sentido ao entrar em um local abafado continuaria a incomodar após horas de exposição. Isso só não ocorre porque nosso cérebro tem uma capacidade enorme de se acostumar. Os cientistas chamam esse processo de habituação.

Quando recebemos um estímulo de maneira repetitiva em um período curto, a resposta que ele provoca diminui: nos acostumamos. O processo de habituação ameniza sentimentos tão distintos quanto o prazer de ingerir alimentos ou a revolta com o baixo reajuste do nosso salário.

Até hoje se acreditava que a habituação dependia de o cérebro receber estímulos diretamente dos sentidos, sejam receptores gustativos ativados ao ingerirmos um bombom ou o sistema visual ao ver impresso o valor do salário. A novidade é que experimentos demonstraram que é possível obter a habituação sem que o cérebro receba estímulo dos sentidos. Basta que imaginemos diversas vezes o estímulo para que o cérebro diminua sua resposta.

O experimento foi feito com cerca de 50 voluntários e usando os doces M&Ms. Um grupo foi instruído a imaginar por 30 vezes o ato de retirar o doce de um frasco, colocar na boca, mastigar e engolir. Outro foi instruído a imaginar 27 vezes o ato de retirar uma moeda de um frasco e colocá-la em um caça-níquel e em seguida imaginar por 3 vezes que retirava uma bala de um frasco, colocava na boca, mastigava e engolia. O terceiro foi instruído a imaginar 30 vezes que retirava uma moeda de um frasco e a colocava em um caça-níquel.

Balança. Após os exercícios, todos eram postos frente a um pote de M&Ms e informados de que deveriam aguardar até serem chamados. Não era informado se deviam ou não comê-los. Os cientistas queriam saber quantos doces as pessoas de cada grupo comeriam. Isso era determinado quando os voluntários deixavam a sala e a quantidade de M&Ms consumida era determinada com uma balança. Os resultados mostram que os voluntários que imaginaram 30 vezes que estavam comendo M&Ms ingeriam em média 2,21 gramas, enquanto as que imaginaram que manipulavam moedas 30 vezes ou 27 vezes comeram 4,1 gramas. Isso mostra que imaginar que você come M&Ms é suficiente para provocar a habituação, ou seja, diminuir a vontade de ingeri-los.

O experimento foi repetido pedindo a outros voluntários que imaginassem estar trocando os M&Ms de um pote para outro sem levá-los à boca. Nesse caso, quando colocados na frente dos doces, todos (manipuladores de moedas ou doces) ingeriram por volta de 4 gramas.

Em um terceiro experimento, as pessoas eram estimuladas a se imaginar colocando M&Ms no caça-níquel e a ingerir queijo. Quando colocadas em frente ao queijo e aos M&Ms, a habituação ocorria somente em relação ao queijo. Diversas combinações foram testadas e em todos os casos a habituação só ocorria quando a pessoa imaginava o ato de comer.

O fenômeno de habituação, obtido com o ato de imaginar o consumo de alimentos diversas vezes, é o oposto do que ocorre quando se pede para a pessoa imaginar um alimento saboroso (poucas vezes e sem imaginar a ingestão). Nesse caso, ocorre o que os cientistas chamam de sensitização, um fenômeno que leva a um aumento no consumo dos alimentos. É o que ocorre quando observamos a foto de um alimento delicioso: nossa vontade de comer aumenta a ponto de salivarmos. A sensitização explica o sucesso das propagandas.

A descoberta de que a habituação pode ser induzida pela imaginação sugere novas estratégias para reduzir o apetite e permitir a perda de peso. Antes do jantar, vá à cozinha, veja o que vai ser servido, volte para a sala, imagine 30 vezes o ato de ingerir os alimentos, e só depois se sente para comer. O mais interessante é que a descoberta talvez ajude a explicar porque imaginar de maneira repetitiva um determinado comportamento pode reduzir nossa resposta quando nos defrontamos com ele.

Fernando Reinach - O Estado de S.Paulo – 20 jan 2010 – Biólogo - MAIS INFORMAÇÕES: THOUGHT FOR FOOD: IMAGINED CONSUMPTION REDUCES ACTUAL CONSUMPTION. SCIENCE, VOL. 330 

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