Desde 2004, quando houve a intervenção no Banco Santos, bancos pequenos e médios passaram a enfrentar dificuldades na captação de recursos. Tornaram-se, então, bastante comuns as cessões de carteiras de crédito desses bancos para instituições maiores, de acordo com as normas do Banco Central (BC). Tudo se processava em clima de normalidade, até vir a público o rombo de R$ 2,5 bilhões no Banco Panamericano. Graças à utilização de recursos do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), com garantia dos bens do controlador, foi possível manter o Panamericano em operação, sem prejuízo para os depositantes e aplicadores e sem repercussões danosas para o sistema financeiro e para a economia. Contudo, vieram à tona distorções que exigiram um esforço concentrado de fiscalização nessa área por parte do BC.
Não se pode negar que, pela regulamentação adotada no País, com exigências ainda mais rígidas que as previstas pelos Acordos de Basileia, a autoridade monetária evitou que os bancos do País se envolvessem em operações de alto risco, capazes de abalar o sistema financeiro no período mais agudo da crise de crédito internacional. Mas está hoje claro que, em face da não adoção das melhores práticas bancárias, das deficiências de controle interno e falhas não menos graves das auditorias interna e externa, podem surgir problemas como os que se verificaram no Panamericano.
Isso não significa que a autoridade monetária deva mudar totalmente a sua forma de atuar na supervisão do sistema. A regulamentação pode ser aperfeiçoada, mas como assinalou o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, em entrevista ao Estado, seria operacionalmente inviável substituir todos os controles internos e a auditoria externa. Isso “aumentaria de forma descontrolada o chamado risco moral, aquele do qual todos partem do pressuposto de que o governo está olhando todos os detalhes, substituindo todos os órgãos controladores e auditores. De maneira que os gestores, os auditores, os investidores passam a não fazer o seu trabalho, no pressuposto de que o governo fará por eles”.
É evidente que esse trabalho não foi feito no caso do Panamericano. De fato, em dezembro de 2009, a Caixa Econômica Federal, por meio da Caixapar, adquiriu por R$ 793,27 milhões uma participação de 51% no capital votante do Panamericano, depois de oito meses de negociações, com assessoria da KPMG. Apesar da “due diligence” requerida em casos como este, a venda de ativos, sem a correspondente baixa contábil, não foi acusada pelos órgãos de controle interno e passou despercebida pela empresa auditora.
Da mesma forma, a Deloitte, responsável por auditar os balanços, não identificou manobras contábeis que chegam a ser grosseiras, na opinião de técnicos. Observa-se que, para a transparência necessária, os balanços devem conter notas explicativas sobre cada operação de cessão de crédito, o que não foi observado no caso do Panamericano.
Desde que detectou o problema, o BC agiu com presteza. Há um mês uma equipe de técnicos da instituição vem trabalhando para verificar a lisura dessas operações entre bancos pequenos e médios e as grandes instituições financeiras. E, de agora em diante, passará a ser rotina o cruzamento de dados entre os bancos que vendem ativos com os daqueles que os compram, como declarou ao jornal Valor o diretor de Fiscalização do BC, Alvir Hoffman.
Ao constatar que os diferentes bancos adotam sistemas operacionais diferentes na compra e venda de carteiras de crédito, o BC enviou um questionário detalhado a 40 bancos mais atuantes nessa área. A partir daí poderá estabelecer padrões que facilitem uma supervisão mais efetiva, sem, contudo, congelar esse mercado, como disse o diretor de Fiscalização do BC.
As responsabilidades apuradas no caso do Panamericano passam à área do Ministério Público e da Justiça. O sistema bancário brasileiro é sólido, mas não pode ser totalmente blindado contra fraudes.
A fiscalização dos bancos - 18 Nov 2010 - O Estado de São Paulo
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