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17 novembro 2010

Meireles fala

Em sua primeira entrevista exclusiva desde que o socorro de R$ 2,5 bilhões ao Banco Panamericano foi anunciado, o presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, rebate os ataques feitos nos últimos dias à instituição, critica os controles do banco (auditorias interna e externa) e diz que, em última instância, o responsável pelos problemas era o controlador (Silvio Santos).

“O único prejudicado foi o acionista controlador, que assumiu o prejuízo de acordo com a lei - corretamente - e era, em última análise, o responsável”, afirmou ao Estado no início da tarde de ontem. A seguir, os principais trechos da conversa.

Como o BC descobriu a fraude?

O BC, dentro de seu processo de análise sistêmica, fez uma avaliação consolidada do total das posições dos bancos cedentes e cessionários (de carteiras de crédito) e concluiu que havia uma inconsistência.

Quem era responsável por descobrir isso?

O responsável número 1 é o acionista majoritário. Em seguida, os órgãos de controle da instituição: os conselhos, a auditoria interna, controles internos etc. Além do controle externo, do ponto de vista do mercado/ investidores, que é feito pela auditoria externa. Essa é a linha de responsabilização direta pela integralidade dos resultados contábeis da instituição. O trabalho de supervisão do BC faz uma série de avaliações que não substituem os controles internos e a auditoria externa.

Como recebe a crítica de que o BC demorou para descobrir?

Essas críticas revelam um mal-entendido sobre o papel da supervisão. Primeiro, seria operacionalmente inviável substituir todos os controles internos e a auditoria externa. Mas o mais importante e mais grave: aumentaria de forma descontrolada o chamado risco moral, aquele do qual todos partem do pressuposto de que o governo está olhando todos os detalhes, substituindo todos os órgãos controladores e auditores. De maneira que os gestores, os auditores, os investidores passam a não fazer seu trabalho, baseados no preceito de que o governo fará por eles. O BC agiu a tempo de não causar prejuízo ao poder público, aos depositantes, ao sistema financeiro e à economia. O único prejudicado foi o acionista controlador, que assumiu o prejuízo de acordo com a lei - corretamente - e era, em última análise, o responsável.

É preciso rever a regulação das auditorias externas?

A regulamentação, no momento, tem de ser aplicada.

Mas ela é adequada?

No momento não se revelou inadequada. Mas estamos sempre, a qualquer momento, com o Comitê da Basileia e os demais bancos centrais do mundo, revisando a regulamentação para buscar aperfeiçoamentos.

Quando o sr. diz que a responsabilidade era do controlador, das auditorias, etc, é possível afirmar que eles foram omissos?

Isso será a essência do processo administrativo. Não pode haver por parte da autoridade pré-julgamento. Há um procedimento legal muito rigoroso que terá de ser seguido

O sr. tem dito há tempos que o sistema financeiro está com boa saúde, se saiu bem na crise, etc. Mas ouvimos que, se o Panamericano tivesse sido liquidado, veríamos sérios problemas.

É correta a afirmação de que o sistema financeiro brasileiro resistiu muito bem à crise, que os níveis de capitalização dos bancos são adequados e todo o aparato prudencial brasileiro é usado como modelo no mundo. Isso não quer dizer que não possa haver problemas. Não há dúvida de que uma liquidação desnecessária, que seria o caso - porque o acionista controlador tinha condições de cobrir o prejuízo - causaria prejuízo aos credores, para o próprio Fundo Garantidor de Crédito (FGC, que emprestou os R$ 2,5 bilhões) e para uma percepção de mercado de riscos sistêmicos que poderiam não existir.

O fato de parte desse rombo ter sido gerado em cartão de crédito não exibe com mais clareza a necessidade de uma regulamentação desse setor?

Existe um Grupo de Trabalho, do qual o BC faz parte, que está exatamente trabalhando em uma proposta de regulamentação desse setor. Muitas coisas já foram feitas, já foram levadas. A próxima etapa será a regulamentação das tarifas de cartão de crédito que são cobradas por uma parte do sistema, os bancos. Existem discussões em andamento com o Congresso Nacional para definir se se justifica ou não criar um sistema de fiscalização do cartão de crédito, que pode ser o BC ou qualquer outra entidade reguladora.

Há hoje um vácuo regulatório?

O cartão de crédito é como muitos outros setores do Brasil, em que não há necessariamente um regulador específico.

Já existem indícios de que houve desvio de dinheiro ou, por enquanto, o que se tem é uma certeza de que havia fraude contábil?

No momento, o processo administrativo está em andamento, em início ainda, e a investigação do Ministério Público está também se iniciando. Portanto, ainda não temos nenhum relatório das áreas de fiscalização que chegue a alguma conclusão a esse respeito. Esse é um processo que tem de seguir rigorosamente as normas e todo o procedimento regimental para que seja bem feito e não possa ser contestado no futuro.

Qual a chance de o rombo ser maior que R$ 2,5 bilhões?

São duas coisas diferentes. Essa investigação do BC mostrou que o problema do banco é um pouco inferior a R$ 2,1 bilhões. A parte do cartão de crédito foi feita pelo Conselho do banco. O BC, de novo, não tem acesso ao cartão de crédito. Sobre os demais aspectos do banco, certamente isso será objeto de continuada avaliação dos acionistas. Agora, o que eu quero dizer é o seguinte: o BC, pelo risco moral, jamais, com instituição nenhuma, pode afirmar: “Não existe mais problema com ninguém.” Isso, por definição, seria o risco moral. O BC não pode fazer esse tipo de afirmação. O BC sempre tem de dizer: “Riscos existem; em qualquer banco, em qualquer financeira, em qualquer instituição financeira, a todo tempo.”

Não está claro o que aconteceu na parte de cartões. A princípio, se fala em R$ 400 milhões de prejuízo. Mas pode ser mais. Se for mais, pode bater no próprio banco e levar a que os cálculos sejam refeitos?

O BC não faz raciocínios teóricos nem especulações sobre o que pode acontecer. Não há, no momento, nenhuma evidência achada pelo BC de que problemas no cartão possam levar a passivos para o banco.

Outra operação no caso envolve um CDB que teria sido comprado há tempo, com rentabilidade muito distinta da paga às pessoas físicas. Não houve falha do BC em observar essa operação?

Não. Você quer que o BC substitua o acionista controlador para defender o interesse dele? O BC não pode ficar julgando a cada momento se o banco está captando caro ou barato.

Em termos de supervisão, o diretor Alvir Hoffmann (Fiscalização) disse que existiriam operações que já têm de três a quatro anos. Esse não é um período muito grande para descobrir esse tipo de inconsistência?

O BC agiu a tempo e a hora porque evitou prejuízos para o setor público, para os depositantes, para o sistema, para a economia brasileira, etc. Agiu quando o processo todo adquiriu uma dimensão que tinha um interesse sistêmico.

Não era o caso de descobrir antes de virar risco sistêmico?

Não. Repetindo para não perdermos mais tempo: o BC agiu a tempo e a hora porque a função do BC é prevenir riscos que levem a prejuízos para o País, para o sistema e, nesse caso, para os depositantes, que não perderam nenhum centavo.

Como é que fica a investigação daqui para a frente?

As informações vão sendo remetidas para o Ministério Público na medida em que forem apuradas. Não é um processo em que apenas ao fim será enviado. O BC já remeteu na semana passada as primeiras informações ao MP, deve remeter mais informações nesta semana e, no curso das investigações, vai informando o mais cedo possível ao MP. O BC olha do ponto de vista administrativo, o MP olha do ponto de vista penal.

Os ex-diretores vão ser chamados pelo BC para se explicar no processo administrativo. O fato de eles estarem nessa situação os impede de sair do Brasil?

Compete ao Ministério Público Federal pedir à Justiça uma ação nesse sentido. A decisão final é da Justiça.


‘Você quer que o BC substitua o acionista controlador para defender o interesse dele?’ - Leandro Modé, Fabio Graner, Fernando Nakagawa - 17 Nov 2010 - O Estado de São Paulo

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