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20 novembro 2010

Caixa no Controle

A Caixa Econômica Federal hoje é responsável por lei pelo que vier a acontecer no Banco PanAmericano. Ela não responde pelo passado, mas depois da nomeação da nova diretoria e do acordo de acionistas, a CEF passa formalmente a integrar o bloco de controle e nesta condição responde até juridicamente por problemas na instituição. Em outras palavras: o risco foi estatizado.

No mercado, ainda existem muitas dúvidas sobre a operação, e ela tem provocado efeitos na relação entre os bancos. “Ainda não conhecemos o fim dessa história”, me disse uma fonte do mercado bancário privado.

O Banco Central está investigando o procedimento das empresas de auditoria neste caso, porque houve falhas em rotinas que as empresas têm que cumprir. Um exemplo é a de mandar circular para todas as contrapartes, no caso de venda de carteiras, um pedido de dados, para conferir o que uma instituição diz que vendeu e a que a outra diz que comprou. O cruzamento das informações dessas transações tem que ser feito. O que se investiga é por que isso não foi feito ou, se foi, por que nada detectou.

O Banco Central durante a crise de 2008/2009 deu financiamento para que os grandes bancos comprassem carteiras de bancos médios e pequenos. A compra e venda de carteira de crédito é uma transação que ocorre regularmente entre os bancos, mas durante a crise houve um incentivo para que isso ocorresse mais intensamente, para assim dar liquidez às instituições menores ameaçadas pelo aumento da insegurança do investidor. Mais uma razão para que as auditoras fossem cuidadosas com isso. Uma parte da fraude que produziu o rombo no PanAmericano foi exatamente a venda da carteira, mantendo os créditos vendidos no ativo do banco.

No mercado, uma das dúvidas é por que o Fundo Garantidor de Crédito (FGC) emprestou a juros zero ao grupo Silvio Santos. No FGC, que tem no seu conselho grandes nomes do mercado bancário brasileiro, o que se explica é que o Banco PanAmericano pagava um seguro ao Fundo para cobrir aplicações dos investidores institucionais até o limite de R$20 milhões por investidor. Isso, além da cobertura normal que o FGC faz, que é dos depósitos até o valor de R$60 mil. Tudo somado, o custo do Fundo seria de R$1,8 bilhão caso o banco quebrasse. Sem falar no risco de contaminação.

O que o FGC quer é não esperar os três anos de carência e começar logo a vender os ativos. O grupo tem 44 empresas, entre elas algumas mais valiosas como a seguradora, a fábrica de cosméticos e, principalmente, o próprio banco, já posto à venda. O que o Fundo quer deixar por último é o SBT, porque considera que a presença de Silvio Santos na emissora é um ativo em si e um atrativo para receitas publicitárias e audiência. Sem ele, a emissora perderia seu principal nome.

O problema foi descoberto pelo próprio Banco Central. A instituição intensificou o trabalho de supervisão exatamente por causa da crise que se abateu sobre bancos de vários países do mundo, a partir da quebra do Lehman Brothers. Portanto, a autoridade monetária acredita que fez seu trabalho.

No mercado, existem algumas dúvidas e sequelas. Uma das dúvidas é quando exatamente o fato foi conhecido pelo BC. A autoridade monetária elevou a exigência de provisão do PanAmericano após o balanço do segundo trimestre. Outra, e mais complexa, é o fato de que quando um banco origina um crédito ele o faz de forma a criar um casamento entre ativos e passivos. Ao vender a carteira, ele tem receita imediata, mas o passivo continua. Pode haver descasamentos. Além disso, continua sendo corresponsável pelo crédito concedido, mesmo após a venda da carteira. Nos bons momentos, nada disso é problema, mas em uma conjuntura de crescimento forte de crédito e de um evento como esse do PanAmericano, os cuidados precisam ser redobrados e é o que os bancos mais prudentes estão fazendo. Um evento desse sempre produz um aumento da incerteza e da insegurança. Contra esse sentimento é que a autoridade monetária está trabalhando. Bancos vivem de um ativo intangível: a confiança.

O caso foi resolvido neste primeiro momento, mas a um preço alto. Para o FGC, um empréstimo a IGP mais 0% de juros de um fundo cuja principal função não é a de emprestar recursos para uma holding que tem um banco para que ela capitalize a instituição. A principal função do Fundo é garantir depositantes. Para a Caixa Econômica Federal, o custo é de ter que entrar mais fundo na instituição. A criação da CaixaPar gerou muita controvérsia e agora se vê que os críticos estavam certos.

Ainda que o negócio tenha recebido a aprovação do Banco Central em julho, a aprovação da constituição da nova diretoria e a entrada da presidente da Caixa na presidência do conselho de administração só aconteceram após anunciado o rombo. Isso significa que sobre o passado só quem responde é o grupo controlador, Silvio Santos, mas de agora em diante a Caixa também é responsável porque integra o grupo controlador, e o acordo de acionistas consagra isso. Ninguém mais tem dúvidas de que se houver qualquer problema de liquidez no banco quem vai cobrir será a Caixa, o que significa uma estatização do risco futuro da instituição.

O problema dessa solução é que ela não pode ser repetida. O FGC não pode sair por aí distribuindo recursos a juros zero, nem se poderá estatizar o risco de outras instituições. O único remédio é aumentar a vigilância, apertar os controles e elevar as exigências prudenciais sobre o mercado bancário brasileiro.


A Caixa no controle - 20 Nov 2010 - O Globo

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