O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, exibiu uma estranha interpretação do papel da instituição: ele acha que se o Banco Central fizesse um trabalho de supervisão mais amplo provocaria “risco moral”, ou seja, as instituições de mercado relaxariam. O Fundo Garantidor de Crédito emprestou sem juros e tem pressa em vender o PanAmericano, que está quase estatizado.
Em entrevista, ontem, ao “Estado de S.Paulo”, Meirelles falou pela primeira vez sobre o rombo do banco do grupo Silvio Santos. Defendeu a tese de que seria “operacionalmente inviável substituir os controles internos e a auditoria externa.” Mas ninguém pede que o BC seja a Delloite ou a KPMG. Quer que ele seja o Banco Central. E as auditorias externas que sejam cobradas pelo seu mau trabalho de análise das contas.
Meirelles entende que, se o BC for minucioso em sua análise, “os gestores, auditores, e investidores passam a não fazer seu trabalho, baseado no preceito de que o governo fará por eles.” Essa defesa de que a fiscalização do BC seja perfunctória para que os outros se esforcem é de difícil compreensão. Melhor é fazer a mais eficiente fiscalização possível e exigir do mercado os mais rigorosos controles através da regulação imposta às instituições privadas. O trabalho da fiscalização bancária tem que aprender a cada evento, aperfeiçoar-se a cada erro, duvidar de si mesmo, sempre.
Segundo Meirelles, o “único prejudicado foi o acionista controlador, que assumiu o prejuízo de acordo com a lei.” Há pelo menos mais um: os contribuintes, que são, através do Tesouro, donos da Caixa Econômica, que agora tem 49% do capital votante de um banco que perdeu 45% de seu valor em pouco mais de um mês e está perdendo investidores. A Caixa, na prática, assumiu a instituição. Tem cinco diretorias e a presidente da CEF será a presidente do Conselho de Administração. Se novos rombos forem encontrados, como é comum em episódios assim, de quem será o prejuízo? A questão permanece em aberto até porque o banco já perdeu R$200 milhões de resgate de CDBs e fundos desde que a crise aconteceu e sofre crise de imagem. Segundo disse o diretor Celso Antunes da Costa, ao “Valor Econômico”, “o PanAmericano ainda tem em carteira 90% dos investidores institucionais do país.” Isso quer dizer que lá estão os grandes fundos de pensão.
Desde o início do episódio, a autoridade monetária tenta se desvencilhar do problema. Quem comunicou o fato foi o próprio Banco PanAmericano à Comissão de Valores Mobiliários, como se fosse apenas uma questão do mercado acionário. O BC demorou 24 horas para falar e insistiu que o assunto estava resolvido sem recursos públicos.
É mais complicado. O BC estava dentro do banco havia várias semanas dimensionando o tamanho do sinistro; nenhum assunto que envolve solvência de instituição financeira pode ser estranho ao Banco Central; uma instituição estatal recebeu o sinal verde para comprar o ativo, por isso mais diligente ainda tinha que ser o BC; a entrada da Caixa torna parte do custo inegavelmente público.
Foi o Proer que estabeleceu que o maior responsável em casos de desequilíbrio patrimonial ou liquidação de bancos passasse a ser o acionista controlador. Antes, o dono do banco escapava do sinistro com seus bens preservados. O que o programa protegeu foi o dinheiro dos depositantes. Apesar disso, o programa de recuperação financeira foi execrado pelo partido que hoje está no poder, como sendo benesse aos banqueiros. O PT entrou na Justiça contra seus formuladores e executores. Algumas ex-autoridades ainda respondem a processos. Imagina o escândalo que o PT faria se um daqueles bancos — o Econômico, Nacional ou Bamerindus, entre outros — tivesse tido parte de suas ações compradas pela Caixa Econômica, no meio do processo de descoberta das tais “inconsistências contábeis”.
Meirelles disse aos jornalistas que a atual regulação das auditorias externas “não se revelou inadequada.” Óbvio que se revelou. Do contrário, não aconteceria o que aconteceu. É preciso a cada caso como este rever a regulação evitando os furos pelos quais as auditorias deixaram escapar o que deveriam ter visto. O BC deve agora apertar a fiscalização e fazer teste de estresse em outras instituições.
O Fundo Garantidor de Crédito, felizmente criado em 1995 pelo Conselho Monetário Nacional, também na esteira do Proer, funcionou, emprestou recursos para manter o banco aberto. Ele é formado por uma fração de cada depósito de cada cliente de banco. Os bancos recolhem e administram o fundo, mas o custo é repassado aos correntistas. Somos nós, os clientes, que capitalizamos o fundo que agora socorreu o PanAmericano. E o empréstimo foi dado nas seguintes condições: três anos de carência, dez anos para pagar, sem juros, com apenas a correção pelo IGP-M. Na verdade, o que os gestores do FGC querem é vender o banco e liquidar as garantias o mais rapidamente possível para reaver o dinheiro.
O episódio mostra que o Proer continua sendo útil por ter criado instrumentos que ainda são usadas como o FGC e a ideia da responsabilidade do controlador. Mostra também que a fiscalização bancária tem que ser aperfeiçoada sempre; aqui, como em qualquer país do mundo.
Papel do BC - 18 Nov 2010 - O Globo
Parabéns pelo site!
ResponderExcluirExcelente trabalho...