Dois jornais (O Globo e Estado de São Paulo) discutem hoje (27 de outubro de 2010) a questão da capitalização da Petrobrás. O termo usado é “manobra contábil”.
Em Efeito Petrobrás (O Globo, Martha Beck) associa o maior superávit primário do Brasil a operação. Sem a “manobra”, em lugar de 26,1 bilhões de superávit seria um déficit de 5,8 bilhões. Um dos efeitos da manobra é a redução da transparência das contas públicas. O objetivo é cumprir a meta fiscal do ano.
Para o especialista em contas públicas Raul Velloso, a gambiarra montada pelo governo permitirá o cumprimento da meta fiscal do ano, mas esta já não inspira mais confiança:
— O governo jogou a meta fiscal no lixo. Chegar a ela por meio de artifício contábil acaba fazendo com que o número caia em descrédito. (...)
Segundo Velloso, o descompasso nas contas públicas pode ser explicado pela crise mundial iniciada em 2008 e pela má qualidade dos gastos.
A operação envolveu uma operação de capitalização do BNDES e o aumento da dívida da União no mesmo valor. Em Dívida pública bruta cresceu R$24 bilhões com manobra (Cássia Almeida, O Globo) destaca-se que a operação foi para custeio:
— É um absurdo. Venderam antecipadamente um recurso natural precioso para a sociedade (o petróleo do pré-sal), para cobrir gastos correntes, de custeio — disse Margarida Gutierrez, professora da Coppead da UFRJ.
Para Margarida, os recursos do pré-sal deveriam ser carimbados para investimento em infraestrutura básica, educação e saúde.
— É uma riqueza que não tínhamos há dez anos e estão torrando. A sociedade deveria ser ouvida para dizer para onde deveriam ir os recursos.
Além disto, ocorreu um aumento do custo da dívida pública, como destaca o mesmo texto:
Na operação que permitiu o superávit histórico, a União contraiu dívida pagando juros de 10,75% ao ano e recebeu créditos que rendem TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo) que está em 6% ao ano.
— Com isso, o custo da dívida vem crescendo. Em julho de 2009, estava em 13,9% ao ano e subiu para 14,6% em agosto último.
É como se aplicasse os recursos em poupança e se endividasse no cheque especial.
A questão da transparência dos gastos públicos é destacada em Mágicos das contas (O Globo). O texto explica a operação da seguinte forma:
O passo a passo do governo nessa confusão é o seguinte: 1) o Tesouro emitiu dívida no valor de R$74,8 bilhões. 2) transferiu uma parte, R$42,9 bilhões, diretamente à Petrobras, para subscrever as ações da empresa. 3) entregou o resto, R$31,9 bilhões, ao BNDES e ao Fundo Soberano. 4) BNDES e FSB repassaram esses títulos à Petrobras para pagar pelas ações que também compraram. 5) a Petrobras pegou todos esses títulos que recebeu e com eles pagou a cessão onerosa dos barris de petróleo do pré-sal. 6) o governo descontou o dinheiro que gastou na subscrição e considerou que o resto, R$31,9 bilhões, era receita.
De acordo com o secretário do Tesouro, Arno Augustin, isso é igualzinho à receita de concessão que o governo Fernando Henrique registrou no seu superávit primário quando vendeu a Telebrás. Não é não. Aquele momento o governo estava vendendo ativos e recebendo em dinheiro. Agora ele está transferindo petróleo, ainda não retirado, e recebendo de volta títulos da dívida que ele mesmo emitiu. Se fosse igual à receita de privatização, como Augustin fala, por que então o governo precisou que o dinheiro passasse pelo BNDES? É para que na passagem acontecesse a mágica de o título de uma dívida do Tesouro virar receita.
O mesmo texto lembra o conto da sopa de pedra, popularizado por Brealey e Myers no livro de finanças empresariais, para criticar as manobras produzidas pela contabilidade:
O secretário disse que “essa ideia de que o BNDES participou por causa do superávit é errada.” Segundo ele, se o BNDES não entrasse o Tesouro perderia participação na Petrobras. Conversa. O governo não fez diretamente porque ficaria mais explícito o truque de fazer sopa de pedra.
Para completar a confusão, os R$24 bi em títulos que foram para o BNDES — o resto dos R$31,9 bi foi para o Fundo Soberano — entraram na conta da dívida pública bruta, mas não na dívida líquida porque o governo alega que é “empréstimo” e um dia o BNDES vai pagar. Portanto, a dívida líquida não sobe, apesar de o governo ter se endividado. Foi assim com outros R$180 bi em títulos transferidos para o BNDES.
O texto lembra também situações passadas onde manobras contábeis foram feitas:
Em agosto do ano passado, a MP 468 permitiu que o governo usasse depósitos judiciais como receita. Contribuinte que entra na Justiça discutindo a legalidade de um imposto tem que depositar a quantia contestada. Esse valor pode ser do governo, ou não. Mas pela MP, R$5 bi entraram como receita em 2009 e R$6,4 bi, em 2010.
No final do ano passado, outra MP, a 478, permitiu ao Tesouro vender antecipadamente os dividendos que tem a receber de estatais e empresas de economia mista. O BNDES comprou e repassou ao Tesouro R$5,2 bilhões que ele teria de dividendos da Eletrobrás.
O governo decidiu excluir os investimentos do PAC da contabilidade das despesas. Alguns gastos já estavam excluídos da conta porque estavam no Plano Piloto de Investimentos. Só que para entrar no PPI o investimento tem seguir várias regras e ter metas de desempenho. O governo fez o PPI perder suas qualidades e enquadrou o PAC na mesma brecha fiscal. Na série estatística está registrado que o governo cumpriu a meta. Só cumpriu por manobras assim.
O Estado de São Paulo, em Arminio e Gabrielli trocam farpas sobre a capitalização da Petrobrás (Kelly Lima, Mônica Ciarelli) apresenta a discussão entre o ex-presidente do Banco Central e o presidente da Petrobrás:
Arminio Fraga, que participou ontem do 11.º Congresso Internacional de Governança Corporativa, fez duras críticas à condução da capitalização. Em sua opinião, o fato de a operação ter envolvido diferentes agentes do governo e o modelo ter sido decidido quase somente pela União, como acionista majoritário, foi criticado pelos estrangeiros.
O impacto sobre a taxa de juros é discutido em Capitalização não deve definir juro, diz economista (Lu Aiko Otta, Estado de São Paulo)
O Banco Central está certo em não considerar o dinheiro da capitalização da Petrobrás nos cálculos para calibrar a taxa de juros. Essa é a opinião do economista-chefe da corretora Convenção, Fernando Montero, que trabalhou no Ministério da Fazenda no final dos anos 1990.
As divergências internas entre o Ministério da Fazenda e o Banco Central também foram destaque (Uso da Petrobrás no superávit primário opõe Fazenda a BC, Adriana Fernandes, Fabio Graner, Estado de São Paulo):
A meta de superávit primário feito com recursos da capitalização da Petrobrás colocou o Banco Central e o Ministério da Fazenda mais uma vez em direções opostas. Apesar do superávit primário recorde obtido com a engenharia envolvendo a venda de ações da estatal, o esforço fiscal das contas do setor público não será integralmente contabilizado pelo Comitê de Política Monetário (Copom) do Banco Central na hora decidir sobre os rumos da taxa Selic.
A defesa da manobra foi feita pelo secretário do Tesouro (Tesouro defende receita de concessões, Adriana Fernandes, Fabio Graner Estado de Sãou Paulo)
Apesar do debate que ganhou força na campanha e tem levado a acusações duras entre os candidatos, Augustin [secretário do Tesouro] disse que o dinheiro das concessões é parte importante da arrecadação do governo. E, para justificar a operação financeira de capitalização da Petrobrás e da venda à estatal da concessão de explorar 5 bilhões de barris, que garantiu um reforço extra no superávit primário de R$ 31,9 bilhões, o secretário tem recorrido a sucessivas comparações com a privatização da Telebrás e da telefonia celular, no governo de Fernando Henrique.
Os analistas argumentam que, com a capitalização da Petrobrás, o governo fez uma manobra fiscal, sem contenção de despesas, que fragilizou o superávit primário da contas públicas e a política fiscal. Augustin, que tem sido chamado ironicamente de “mágico” do superávit, rebate com o argumento de que FHC fez o mesmo.
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