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08 outubro 2010

Auditoria II

Passados quase dez anos desde o escândalo defraudes contábeis envolvendo a Enron e a Arthur Andersen, as firmas de auditoria já se sentem mais confortáveis em dar foco para os trabalhos de consultoria, que hoje já representam cerca de metade do faturamento entre as grandes do setor.

Isso vale não só para a Deloitte, única entre as quatro grandes que não vendeu a área de consultoria naquela época, como para PricewaterhouseCoopers, Ernst & Young e KPMG, que reconstruíram essas divisões nos últimos anos.

O argumento para essa mudança de rumo vai além da distância temporal do escândalo. Elas dizem que as políticas de controle sobre independência do trabalho evoluíram bastante desde então, seja pela regulamentação do setor, ou por políticas próprias para que se evite conflito de interesses.

De acordo com o presidente da Ernst & Young Terco, Jorge Menegassi, o grau de independência de uma firma auditoria não deve ser medido pela relação entre o que um cliente paga por consultoria em relação ao que gasto com auditoria, mas sim olhando o peso de um único cliente no faturamento total. "Nenhum cliente nosso representa mais do que 2% dos honorários totais", afirma. "Se uma firma de auditoria e consultoria fatura 100, sendo que 30 ou 60 vêm de um único cliente, mesmo que seja pelos serviços de auditoria, existe uma dependência financeira. Mas se ela fatura 100 e tem um cliente que paga 1 pela auditoria e 3 por outros serviços, não existe problema", argumenta.

A norma do Conselho Federal de Contabilidade (CFC) diz que existe dependência financeira quando a concentração de faturamento em um único cliente supera 25%. Nesse caso, se sugere contratar outro auditor para revisar o trabalho, por exemplo.

Ainda segundo Menegassi, outros dois pontos que devem ser observados para garantir independência são as relações inter-pessoais de auditores com funcionários das empresas clientes e também os investimentos pessoais. Nenhum funcionário da E&Y pode comprar ações de empresas que sejam auditadas por alguma das firmas da rede global, regra que também vale nas outras grandes. "Todos os profissionais têm que atestar essa independência anualmente e os sócios a cada trimestre. E essa informação também é auditada, com acesso de extratos e declarações de renda", afirma Idésio Coelho, sócio de auditoria da E&Y.

Segundo Jayme Cervati, sócio de auditoria da KPMG, a firma não pode fazer nenhum tipo de trabalho que crie valor para a empresa auditada. "Não posso ajudar a determinar o valor de uma provisão, fazer reavaliação de ativos ou teste de 'impairment'", exemplifica Cervati.

Num processo de incorporação, portanto, a auditoria pode fazer um laudo de avaliação que ateste que os números do balanço da incorporada, mas não determinar o valor de mercado daquela empresa, com base em múltiplos ou fluxo de caixa a valor presente.

Na área tributária, explica o sócio da KPMG, não se pode ajudar um cliente de auditoria a montar uma estrutura para pagar menos impostos. Mas é possível verificar se a estratégia usada pela empresa é legal. Em raciocínio semelhante, é proibido fazer a declaração de Imposto de Renda da empresa, mas é permitido checá-la.

Ao comentar a existência de diferença sobre as informações prestadas pelas companhias abertas brasileiras sobre serviços de auditoria no balanço e no Formulário de Referência, Valdir Coscodai, sócio de auditoria da PricewaterhouseCoopers, destaca que as exigências da regulamentação são distintas nos dois casos, assim como os prazos de entrega. O trabalho de auditoria em aquisições, explica, é muito parecido com a auditoria externa. "Você checa se a folha de pagamento está OK, se os encargos são recolhidos, se o estoque e o contas a receber existem... São procedimentos parecidos com os de auditoria", afirma, explicando porque o trabalho é classificado como relacionado a auditoria.

Mark Vogt, também sócio da PwC, menciona ainda que pode haver inconsistência na classificação dos serviços entre empresas diferentes - se o trabalho é relacionado ou não a auditoria - porque os documentos são elaborados pelos clientes e não são auditados. "A administração tem autonomia para julgar. E talvez não tenha uniformidade nessa divulgação", afirma. Ele explica que sempre que existe uma oportunidade comercial com um cliente, o sócio responsável precisa avaliar se existe conflito e, no caso de dúvida, o caso é levado a uma equipe especializada nessa questão, que é comandada por ele.

Ao comentar os casos da Ampla e da Coelce, que aparecem na lista daquelas que pagaram mais de 50% por outros serviços que não a checagem do balanço, a Canarim Auditores disse que todos os trabalhos realizados foram relacionados a auditoria, incluindo revisão de prospectos e auditorias de exigências regulatórias.

A BDO informou que todos os serviços prestados à Marfrig, que também aparece na lista, foram aprovados pelo departamento de ética e independência.

A Amil, auditada pela Terco em 2009, integrava a lista das que tinham pago mais de 50% em outros serviços, ante o gasto com auditoria. Consultada para a reportagem, a Terco esclareceu que essa relação era de 15%, conforma constava do balanço da empresa, e a Amil corrigiu a informação do Formulário de Referência, que não é auditado.

A Deloitte foi procurada, mas não quis se pronunciar.


Serviços extras não afetam independência, dizem
firmas - Valor Econômico - 7/10/2010 - Fernando Torres

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