Há várias inovações. Nas definições sobre o capital do banco, o conceito de capital de qualidade ficou mais rigoroso. Agora é ações e lucros retidos apenas. Outros produtos financeiros que antes podiam ser considerados capital, pelo menos até certo ponto, não podem mais ser. Os chamados “instrumentos híbridos” têm limitações para serem considerados parte do capital. Essa definição é importante porque vai definir o quanto se pode emprestar, ou seja, a alavancagem.
Há questões que sempre foram tratadas por regras nacionais, e agora, serão objeto de acordo internacional, como as exigências de liquidez. As instituições financeiras terão de calcular uma janela de um mês de liquidez, necessária num cenário de stress, para criar sua proteção.
Os bancos terão de ter dois colchões: um deles chamado de conservação e o outro de anticíclico. Esses colchões de capital é para serem usados em momentos de crise. É da natureza do mercado financeiro ser pró-cíclico, ou seja, quando a economia está se expandindo, normalmente, a concessão de crédito aumenta e eleva-se, por isso, a alavancagem, o volume de empréstimos em relação ao capital. No Basileia III, os bancos são forçados a um movimento contrário: terão de guardar uma parte maior do capital para formar seus colchões exatamente na parte boa do ciclo, para usar no período de vacas magras. [1]
Quando se olham as novas regras vem a sensação de que elas são redundantes: o conceito de capital de alta qualidade ficou mais exigente, é necessário mais capital, a razão de alavancagem mudou, colchões de liquidez terão de ser constituídos. A ideia é ser redundante mesmo. Passar duplo ferrolho sobre a porta arrombada, aprendendo com a crise que sacudiu o mundo recentemente.
Os bancos brasileiros estiveram no passado, e estão no presente, mais bem preparados que bancos de outros países para enfrentar crises. Primeiro, porque o país enfrentou com o Proer uma devastadora crise bancária nos anos 90, logo após a queda da inflação, mantendo o sistema funcionando. Segundo, porque o Brasil tem sido mais fechado do que outros mercados e menos exposto ao risco internacional. Não era permitido, por exemplo, ter aqui no capital dos bancos brasileiros certos produtos financeiros de alto risco que arruinaram instituições pelo mundo afora. Só que alguns bancos brasileiros se transformaram em grandes instituições e isso levará a mais internacionalização. Vai significar mais risco? [2]
O crédito no Brasil se expandiu forte nos últimos anos. Pode-se dizer que no começo da década, o país tinha um quarto da sua economia financiada — o crédito era de 25% do PIB — e agora pulou para quase a metade. Isso vai significar mais risco?
Para evitar que a maior internacionalização do mercado brasileiro represente mais risco, o Brasil tem defendido em reuniões como as desse fim de semana no BIS, na Basileia, regras mais conservadoras para o mundo. No Basileia II, o requerimento de capital total era de 11% dos ativos; o Brasil, na média, chegou a 17%. Pelo que se entende agora, o conceito de capital é diferente e mais rigoroso. O que antes era de 2% de capital de alta qualidade, vai para 4,5% de todos os ativos. Há diferenciações no mercado brasileiro, mas a impressão geral é que será mais fácil aqui do que em vários países cumprir essas regras. A nova regulação será menos tolerante com o excesso de criatividade contábil. Bom, porque o Brasil tem começado a entrar por esse caminho de truques para aumentar capital e alavancagem dos bancos oficiais.
Sobre o crédito, pelos padrões internacionais, o Brasil tem um percentual pequeno de crédito/PIB, mas pelo crescimento recente e por causa das novas regras internacionais, a expansão, daqui para diante, deve ser mais lenta. Melhor que seja, porque o Brasil é diferente de outros países pelo custo alto de capital que torna mais penoso para as empresas e as famílias carregar alto endividamento.
As novas regras desse fim de semana vão entrando em vigor lentamente nos próximos anos e o prazo final é 2018. Há períodos de transição e alguns começam já em 2011. O mercado financeiro costuma antecipar tudo. Se uma nova regulação ou tendência parece inexorável, as instituições começam a executar.
Os bancos maiores terão de cumprir exigências ainda mais rigorosas e isso pode evitar que a regulação leve a mais concentração bancária. O que se quer com essa exigência maior para os maiores é lutar contra o “too big to fail”, grande demais para quebrar. Mas o mundo aprendeu recentemente que, às vezes, uma pequena instituição pode fazer um grande estrago.
Tranca dupla
No fim de semana, em Basileia, na Suíça, fechou-se um acordo internacional para a terceira rodada de regras de proteção dos bancos contra as crises. Tudo isso, evidentemente, mexe com o mercado internacional e com o brasileiro. Haverá, agora, colchões de proteção, nova definição do que seja capital, novos limites de alavancagem e os bancos grandes terão de ser mais rigorosos.
Panorama Econômico - 14 September 2010 - O Globo
[1] Influência da legislação espanhola. É interessante notar que recentemente a Espanha passou por uma crise bancária. Será que a experiência mostrou-se válida?
[2] A resposta é sim
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