— Fico até bravo quando alguém me pergunta sobre lixo — disse ele, antes mesmo de iniciarmos a entrevista.
Sem usar as palavras resíduo ou sucata, conversamos então sobre a matéria prima que ele utiliza há mais de dez anos para fabricar computadores novos a partir de equipamentos velhos. Por ano, a Planac, empresa que ele criou, vende cerca de 50 mil computadores remanufaturados a preços que variam entre R$180 e R$500 e dá a uma fatia da população a possibilidade de ter um computador em casa pela primeira vez.
A semente da ideia foi plantada quando Jair ainda era criança e catava sucatas nas ruas do bairro de Jacanã, em São Paulo, para sustentar a casa onde vivia com a mãe. Para não se submeter aos baixos preços do mercado de sucata, ele resolveu levar a sério a brincadeira de transformar lixo em objetos, e parou de vender os resíduos por quilo. Assim Jair se sustentou até os 18 anos, quando virou balconista, emprego que pagou sua faculdade de Ciências Contábeis. Depois disso, ele abriu uma empresa de contabilidade, e a vida ficou assentada. Mas faltava resolver um compromisso pessoal: montar um negócio de cunho social que também desse lucro. Foi aí que Jair juntou a profissão com o conhecimento que carregava das ruas:
— Minha empresa já era parceira da IBM na área de contabilidade. Passei a aceitar computadores velhos como parte do pagamento e desmontei todos. Nunca me conformei com a forma como as pessoas viam seus computadores, como lixo. Dentro deles, há um monte de matéria prima, muitas vezes intacta. Menos de 10% do total precisa ser descartado. De resto, tudo que recebo está em condições de ser reaproveitado.
Envolto por montanhas de placas-mãe, discos, memórias, teclados e outros restos de equipamentos, Jair coordena jovens de comunidades da região de Butantã, em São Paulo, todos seus funcionários na fábrica da Planac. Na ponta do projeto estão dois tipos de inclusão, a desses jovens no mercado de trabalho e de milhares de pessoas, a cada ano, no mundo digital. Segundo Jair, entre seus principais estão famílias das classes C e D que precisam dos equipamentos para o auxílio da educação de suas crianças e jovens, e universitários, passando por empresas:
— Meu objetivo é ter um impacto social. Em alguns casos, eu poderia comprar um mouse mais simples, mais barato, em vez de reaproveitar, mas aí esbarraria no meu modelo de negócio, que não tem como base só o lucro. Se eu fizer isso, estarei criando empregos lá na China e descartando lixo eletrônico. Não faço caridade, mas muitos dos meus clientes são pessoas que não têm condições de pagar mais de R$800 para ter um computador. Com R$200 as pessoas compram um computador bom, que vai servir para tudo que precisam.
E quem precisa de equipamentos mais potentes também os encontra nos galpões da Planac. Por cerca de R$500, os melhores computadores remanufaturados da empresa rodam programas mais atualizados. Embora seja um negócio social, não há restrição para os consumidores. Além de famílias, Jair têm entre seus compradores muitas pequenas empresas e ONGs, que precisam de equipamentos mais baratos para se equiparem.
O empresário ainda espera ampliar a marca anual de 50 mil computadores vendidos. Em parceria com a Fundação Bradesco, ele aguarda autorização da prefeitura de São Paulo para montar um galpão, que seria um dos maiores centros de triagem de lixo eletrônico do mundo.
No primeiro telefonema para marcar a reportagem, o ex-catador e hoje empresário social Jair Martinkovic, gentilmente, logo deu o aviso:
O Globo - 20 jul 2010
E a Empresa Social, idéia já posta em funcionamento Mohammed Yunus. É o ápice, o topo, da manifestação do Empreendedorismo. É aquilo que me dá orgulho de ser humano.
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