Reforma da BP pôs em choque segurança e corte de custos
Guy Chazan, Benoit Faucon e Ben Casselman, The Wall Street Journal - 1/7/2010
The Wall Street Journal Americas
Em 5 de junho de 2008, uma parte de aço da tubulação se rompeu na enorme plataforma de petróleo Atlantis, da BP PLC, no Golfo do México. O tubo estava conectado a um oleoduto defeituoso, cujo conserto a BP tinha adiado, no que um relatório interno mais tarde descreveu como “um contexto de orçamento apertado”.
A ruptura causou um vazamento pequeno, apenas 193 barris de petróleo, mas os investigadores da BP identificaram preocupações maiores.
Eles descobriram que o reparo que tinha sido adiado foi “um fator crítico” no incidente, mas “a chefia não questionou claramente” o impacto do atraso na segurança. O orçamento da Atlantis — uma das instalações mais sofisticadas da BP — foi “subestimado”, o que resultou em “demandas/direções conflitantes”.
Enquantos os investigadores estavam questionando a operação enxuta da Atlantis, os principais executivos a elogiavam.
Em uma comunicação interna, no começo de 2009, o então diretor da unidade da BP no Golfo do México, Neil Shaw, elogiou a eficiência operacional de Atlantis, dizendo que ela tinha sido “4% melhor que o planejado” no seu primeiro ano de produção. Ela fazia parte de uma história de sucesso que, segundo Shaw, tinha permitido à BP se tornar líder na produção de petróleo no golfo.
O aperto no orçamento de um dos mais desafiadores projetos da gigante petrolífera britânica enfatiza a tensão no coração da BP sob a gestão do diretor-presidente Tony Hayward.
Até a explosão no golfo da plataforma Deepwater Horizon, em 20 de abril, Hayward repetidamente disse que estava matando dois dragões de uma só vez: lapsos de segurança que causaram grandes acidentes, como a explosão fatal de uma refinaria no Texas em 2005; e gastos inflados que deixaram a BP atrás das concorrentes Royal Dutch Shell PLC e Exxon Mobil Corp.
Um exame pelo Wall Street Journal de documentos internos da BP, informes legais, investigações oficiais e relatórios de inspetores federais, assim como entrevistas com autoridades reguladoras, mostra um histórico que nem sempre está de acordo com os relatos de Hayward sobre a melhora da segurança.
Desde que Hayward assumiu o comando, a BP continuou a ter discussões com as autoridades sobre questões que lhe causaram problemas antes de ele chegar ao cargo. Algumas de suas refinarias ainda recebem notas ruins em relação à segurança.
“Eles alegam estar muito concentrados em segurança, acho que sinceramente”, diz Jordan Barab, subsecretário da Administração Ocupacional de Segurança e de Saúde dos Estados Unidos (OSHA). “Mas, de alguma forma, a sinceridade e os programas deles nem sempre se traduzem bem na operação das refinarias.”
A BP insiste que virou uma página em relação à segurança. “A prioridade número um da BP é ter operações seguras e confiáveis”, disse o porta-voz Andrew Gowers. Nos últimos cinco anos, “esforços e investimentos significativos” foram dedicados à melhora da segurança, disse ele, e um grande progresso foi feito em todos os critérios importantes, com a redução da frequência de lesões e menos incidentes relacionados à quebra de equipamentos.
Foi possível economizar por meio da “redução de despesas e simplificação da estrutura corporativa”, disse ele, e não com cortes em segurança. De fato, mais dólares e pessoal foram colocados nas operações.
Na Atlantis especificamente, a BP informou que identificou um problema com a vibração de certas bombas, mas concluiu que isso “não era em si uma causa para preocupação com a segurança ou o meio-ambiente”, e adiou o conserto de algumas bombas para o ano orçamentário seguinte.
Hayward assumiu o comando em maio de 2007, dizendo que iria se concentrar “como um laser” em segurança e, simultaneamente, melhorar as operações da BP. Em outubro, ele criou um sistema de administração com o objetivo de garantir os padrões de segurança de forma consistente em toda a organização.
Obstáculos logo apareceram. Em 2007, um documento interno que estabelecia políticas de segurança mencionava uma falta de engenheiros e inspetores no setor que poderia pôr em risco a adoção de novos padrões de inspeção e manutenção de equipamentos críticos. Em maio de 2009, uma apresentação interna citou a carência de trabalhadores experientes em plataformas marítimas e afirmava que mais treinamento era necessário para “manter operações seguras, confiáveis e eficientes”.
No mesmo mês em que ele renovou a estrutura de segurança, Hayward disse que iria enxugar a BP. Uma apresentação interna aos funcionários mostrou que problemas como operações menos eficientes tinham criado uma “disparidade crescente entre nós e a Shell”.
Nos três anos seguintes, Hayward eliminou 7.500 empregos e podou custos — US$ 4 bilhões só em 2009. Ajudada pelos altos preços do petróleo, a BP teve um lucro recorde de US$ 25,6 bilhões em 2008. Em pouco tempo, a BP colocou em xeque a posição da Shell como a petrolífera mais valiosa da Europa.
Hayward tentou dar um fim aos problemas que a BP teve no passado. Em outubro de 2007, a empresa concordou em pagar US$ 373 milhões para arquivar acusações relativas à explosão ocorrida em uma refinaria em Texas City, a vazamentos de petróleo no Alasca e a alegações de que operadores da BP haviam manipulado o mercado de gás propano.
A BP iniciou um investimento de mais de US$ 1 bilhão para melhorar a refinaria de Texas City. Este ano, a petrolífera informou que a taxa de lesões lá registradas vinha caindo todos os anos desde 2005, e que o desempenho da refinaria no que se refere à segurança estava em 2009 entre os dos melhores do setor.
Mas a OSHA, a agência do governo responsável pela segurança no trabalho, tem uma versão diferente.
Depois de uma inspeção de seis meses da refinaria de Texas City, no ano passado, a OSHA multou a BP em US$ 87 milhões, o maior valor da história da agência. Cerca de US$ 57 milhões eram referentes ao que a OSHA descreveu como “incapacidade em reduzir” riscos semelhantes aos que causaram a explosão que matou 15 pessoas em 2005. A BP contestou as multas e afirma que está em discussões “construtivas” com a OSHA.
A agência tinha inspecionado em 2006 uma refinaria em Toledo, Ohio, que agora pertence à BP e à Husky Energy, descobrindo problemas com as válvulas de alívio de pressão. A agência ordenou que a BP consertasse as válvulas. Dois anos depois, os inspetores viram que a BP tinha feito os reparos pedidos, mas só nas válvulas especificamente citadas pela OSHA. A agência encontrou o mesmo problema em outras áreas da refinaria. A OSHA determinou novos reparos e impôs uma multa de US$ 3 milhões.
“Havia um conhecimento claro desses problemas (...) e, ainda assim, eles não tinha sido atacados” em outras partes da refinaria, disse Barab, da OSHA.
Mas Gowers, o porta-voz da BP, disse que a petrolífera “trabalhou em cooperação com a OSHA” para resolver problemas na refinaria. A BP informou que, quando a OSHA impôs a multa, a refinaria de Toledo tinha feito “melhoras mensuráveis em questões de segurança dos procedimentos”.
Barab diz que, por conta do histórico de segurança da BP, a agência inspecionou a empresa mais atentamente do que outras refinarias e impôs punições mais duras porque ela merecia “um pouco mais de atenção no que diz respeito à segurança da refinaria que qualquer outra”.
A BP não tinha sofrido um desastre de segurança no Golfo do México até a Deepwater Horizon. Mas havia temores de que isso pudesse acontecer.
Uma apresentação interna em dezembro de 2007, logo no começo da gestão de Hayward, mostrou a ocorrência de dez situações com “alto potencial” de risco em unidades da BP no golfo desde o início daquele ano. Um tema comum, identificou o relatório, foi que a BP não conseguiu dar sequência a seus próprios procedimentos e a falta de disposição para parar os trabalhos quando algo estava errado.
“Ao entrar nas duas últimas semanas de 2007, estamos vendo uma frequência sem precedentes de incidentes sérios em nossas operações”, escreveu Richard Morrison, vice- presidente para produção do Golfo do México, em um e-mail aos funcionários. “Somos extremamente afortunados que um ou mais de nossos colegas não tenham sido seriamente feridos ou mortos”.
Morrison listou cinco casos de acidentes evitados por pouco em novembro e dezembro, como um em que houve vazamento de gás natural de um tubo a bordo da plataforma Pompano, ameaçando causar uma explosão.
A BP informou que não comentaria esta ou qualquer outra comunicação interna, e se recusou a permitir o acesso a Morrison.
Enquanto isso, executivos da companhia continuaram martelando a mensagem sobre custos. Shaw, o chefe no Golfo do México, falou sobre isso em uma reunião dos principais gerentes em Phoenix, em abril de 2008. O objetivo dele, segundo uma comunicação interna da BP, era instigar “a cultura de um desempenho mais forte” na organização, baseada estritamente em custos de gestão e “a noção de que cada dólar importa”. A BP se recusou a permitir que Shaw se pronunciasse.
Um ex-engenheiro da BP que se aposentou no ano passado disse que, sob a gestão de Shaw, a operação no golfo passou a se concentrar mais em atingir metas de desempenho, que definiam os bônus para os gerentes de alto escalão assim como para os trabalhadores de nível mais baixo. Ele diz que até mesmo pequenas despesas se tornaram alvo.
Em comunicado, a BP afirmou que o corte de custos deveria ser visto dentro de um contexto de brusca queda dos preços do petróleo em 2008, que espremou o lucro das petrolíferas. A BP afirma que os executivos são julgados pelo histórico de segurança de suas unidades, e não apenas por critérios financeiros e de produção.
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