O que restou da bolha da internet
Renato Cruz
O Estado de São Paulo - 8/3/2010
Dez anos depois do pico da Nasdaq, a internet se popularizou, mas ganhar dinheiro com ela ficou mais difícil
“A internet ficou velhinha”, afirma Marcelo Lacerda, que vai completar 50 anos, pioneiro da internet brasileira. Ao lado de Sérgio Pretto, ele criou a NutecNet, que depois se transformou no ZAZ, ao se associar à Rede Brasil Sul (RBS), e finalmente foi vendida para a Telefônica, em 1999, dando origem ao provedor Terra. “Hoje, quando vou lá no Terra, sou quase o tiozão.”
Na próxima quarta-feira, fará 10 anos que a bolsa americana Nasdaq, que concentra as ações das empresas de tecnologia, alcançou a maior pontuação de sua história. Nunca mais chegou perto dos 5.048,62 pontos atingidos em 10 de março de 2000. Na última sexta-feira, a Nasdaq fechou em 2.326,35 pontos, bem longe dos momentos de glória da década passada.
Durante a bolha da internet, parecia que as empresas e o mercado financeiro viviam num mundo paralelo, em que não era importante ter retorno financeiro e nem mesmo faturamento. Os empreendedores buscavam crescer rápido para se tornarem bilionários na abertura de capital de suas empresas. A preocupação era com o “burn rate” (tempo que levaria para zerar o caixa antes de um novo aporte) no lugar do “break even” (momento em que a operação deixa de ser deficitária). A internet parecia um mercado de crescimento infinito, em que tudo se tornaria possível a um clique do mouse.
Esse otimismo exagerado gerava distorções bizarras, que só pareciam fazer sentido naquele período. Nos EUA, a Priceline, que vendia passagens aéreas pela rede, chegou a valer, no dia de sua abertura de capital (30 de março de 1999), quase US$ 10 bilhões, o que correspondia a mais do que a United Airlines, a Continental Airlines e a Northwest Airlines combinadas, mesmo registrando perdas três vezes maiores que seu faturamento.
O fim da bolha foi marcado por uma escalada de aumento de juros pelo Federal Reserve (Fed), banco central americano, para combater riscos inflacionários. As empresas que dependiam de uma nova rodada de investimentos para continuar funcionando viraram pó. Apesar disso, houve pontos positivos na bolha. Sem a animação desenfreada do mercado, a infraestrutura que poderia levar décadas para ser criada acabou se desenvolvendo em poucos anos.
“A internet foi uma promessa que se cumpriu não só nas pontocom, mas em toda a economia”, diz Lacerda, um dos casos de maior sucesso da internet brasileira. Ele continua investindo em tecnologia e prepara o lançamento de uma empresa de banda larga.
Outro pioneiro que atravessou bem os altos e baixos foi Aleksandar Mandic. Filho de imigrantes iugoslavos, ele criou, em 1990, a primeira Bulletin Board System (BBS) brasileira e a batizou com seu nome, Mandic. As BBSs eram serviços online anteriores à internet, em que as pessoas participavam de listas de discussão e trocavam correio eletrônico. A Mandic virou provedor em 1995 e foi vendida para a argentina Impsat, quatro anos depois.
Depois de passar pela criação do iG, acabou fundando uma nova empresa com seu nome, especializada em e-mail. “O iG chegou a ser avaliado em US$ 7 bilhões”, lembra Mandic. “Era uma ciranda financeira. Hoje, a internet é coisa do passado, deixou de ser alvo de interesses especulativos. Quem fez a crise não foi o técnico, foi o banco.”
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