O texto a seguir mostra um caso de recuperação judicial interessante. Dependendo do resultado, pode ser uma avanço nas relações jurídicas no Brasil.
J.P. cobra acionista do Independência
Cristiane Perini Lucchesi e Fernando Torres, de São Paulo – Valor Econômico – 24/2/2010
Os bancos credores do frigorífico Independência, em recuperação judicial há um ano, resolveram partir para cima dos bens dos acionistas da empresa, a família Russo, e pedir na Justiça a execução de garantias pessoais dadas por eles em contratos de empréstimos. O J.P. Morgan já conseguiu vitória em corte em Nova York, que determina a execução de um total de US$ 115 milhões em garantias. O Banco Votorantim, o Banco da Amazônia, o Itaú BBA e o Banco Fibra estão todos adotando estratégia semelhante na Justiça brasileira.
O J.P. Morgan, representado pelo escritório de advocacia Felsberg e Associados, recorreu à Justiça de Nova York porque o empréstimo de US$ 100 milhões, que tinha prazo de vencimento final em 26 de fevereiro de 2009 e garantia dos acionistas, foi feito em dólar. O próximo passo do banco americano é recorrer ao Supremo Tribunal de Justiça para que homologue a decisão e as garantias possam ser executadas. Os acionistas da família Russo, por sua vez, alegam que tudo o que tinham foi investido no Independência e que os ativos da empresa estão protegidos pela recuperação judicial.
Fontes ligadas ao Independência negam que a busca dos credores pelas garantias dos acionistas da empresa vá impactar o plano de recuperação aprovado no final do ano passado ou a emissão em andamento de eurobônus no mercado externo de US$ 150 milhões pelo frigorífico. Afinal, os bens dos acionistas "na pessoa física" nada têm a ver com os ativos da empresa, a "pessoa jurídica".
Os investidores externos parecem concordar com isso, dado o interesse demonstrado pelos papéis pelos chamados "fundos abutres", que se especializam em comprar títulos de empresas inadimplentes ou em recuperação judicial. A previsão é fechar no dia 15 de março a transação, que tem prazo de vencimento em cinco anos e paga juros tão altos como 15% a 20% ao ano em dólares.
Para ajudar a vender os títulos, Tobias Bremer, diretor vice-presidente do Independência (ironicamente um ex-executivo do J.P. Morgan), tem dito aos investidores externos que Ricardo Paes, diretor no Brasil da firma de consultoria especializada em reestruturação de empresas com problemas de nome Alvarez & Marsal, será o diretor financeiro do frigorífico logo após a venda dos bônus. Procurados, os dois executivos não se pronunciaram.
Os rumores de que a Brasil Foods (Perdigão mais Sadia) poderia comprar a companhia também voltaram e são responsáveis por parte da alta dos preços dos papéis do Independência no mercado secundário de bônus desde que a venda dos novos títulos no exterior começou. No total, os investidores internacionais já têm US$ 525 milhões em eurobônus do Independência em suas mãos neste momento. Os papéis chegaram ao preço de 8% do valor de face no pior momento de crise para a companhia, mas subiram para níveis entre 25% e 27% desde que a transação de emissão de novos eurobônus começou.
A emissão dos novos títulos seguem a chamada regra 144A, para investidores qualificados nos Estados Unidos. Quem está liderando a transação é a firma BTIG, americana, de executivos que vieram do Goldman Sachs e especializada na venda de ativos estressados ou podres, de empresas inadimplentes.
Os novos bônus têm garantias nos ativos da empresa, incluindo propriedades imobiliárias e equipamentos. Um terço das novas notas teria amortização em 2013, 50% em 2014 e o resto em 2015. Os detentores desses papéis teriam prioridade de recebimento em relação aos demais credores.
O sucesso da transação de emissão de bônus é fundamental para que a empresa consiga fazer seu primeiro pagamento, no dia 31 de março, de um valor de no mínimo R$ 100 mil para os credores pecuaristas. Esse é o prazo final para essa primeira parcela, prevista no plano de recuperação e reestruturação da empresa, aprovado pela maioria dos credores em 5 de novembro. Se a empresa não fizer esse pagamento, os pecuaristas poderão pedir a falência da empresa.
Segundo o plano de recuperação, o dinheiro captado com os bônus devem ajudar a tornar operacionais outras fábricas da companhia, que poderia então voltar a gerar mais caixa operacional e pagar suas dívidas. Hoje apenas as unidades de abate de Rolim de Moura (RO) e Janaúba (MG) estão abertas. Também estão em atividade os curtumes de Nova Andradina (MS) e Colorado do Oeste (RO) e a fábrica de charque em Santana de Parnaíba (SP).
Só com pecuaristas, a dívida do frigorífico Independência alcança R$ 194 milhões, conforme a Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat). Ao todo, a empresa tem débitos com 1.524 criadores espalhados por Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Minas Gerais e Goiás. As dívidas totais do Independência - que surpreendeu o mercado ao pedir recuperação judicial no dia 27 de fevereiro de 2009 - chegavam a R$ 3 bilhões.
Entre os bancos, os principais credores são o Bradesco, Santander, J.P. Morgan e Citigroup, com mais de 90% da dívida bancária do Independência. Instituições de porte médio como Votorantim, Fibra, BicBanco, Daycoval, Pine e Banco da Amazônia são todos credores do frigorífico também, além do Itaú BBA e do falido Lehman Brothers.
O mercado apostava todas as suas fichas no Independência, pois não acreditava que uma empresa que, em novembro de 2008 havia obtido R$ 250 milhões sob a forma de capital do BNDESPar, a empresa de participações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e iria receber outros R$ 200 milhões de capital em março de 2009, poderia pedir recuperação judicial. Ainda mais depois de anunciar a recompra antecipada de até US$ 144 milhões de eurobônus que só venceriam em 2015 e 2017, demonstrando ter caixa no momento. Ainda mais considerando-se que seu fundador e dono, Toninho Russo, suplente de senador pelo PL-MS, é um dos grandes apoiadores do presidente Lula.
Dentro do plano de recuperação judicial, aprovado em novembro, os credores financeiros (com créditos de R$ 2 bilhões) aceitaram dar um perdão de 50% à empresa. O plano aprovado também prevê que os acionistas "obrigam-se" a buscar a venda do controle da empresa. Além disso, se houver venda do controle, os credores financeiros terão direito a um bônus de subscrição, uma espécie de ação do frigorífico. Ficou acertado que, nesse caso, 50% do valor da operação serão divididos entre os credores financeiros. Na hora de votar o plano de reestruturação da empresa, o J.P. votou a favor, mas negou cláusulas que limitassem ações contra os acionistas. O Banco Votorantim votou contra o plano.(Colaborou Alda do Amaral Rocha)
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