Malan propõe taxa para financiar normas
Por Nelson Niero, de São Paulo - Valor Econômico - 14/9/2009
As normas internacionais de contabilidade estão à procura de uma nova forma de financiamento, depois de anos de dependência de contribuição voluntária de empresas e entidades governamentais.
A Fundação do Comitê das Normas Internacionais de Contabilidade (Iasc Foundation) estuda alternativas como uma taxa que seria cobrada das companhias abertas. A fundação supervisiona e é responsável pela obtenção dos recursos para o funcionamento do Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade (Iasb), um órgão supranacional com sede em Londres que dita as regras de informação financeira, conhecidas pela sigla em inglês IFRS, em mais de cem países, incluindo o Brasil.
"A tendência é que os países [que adotam as normas internacionais] procurem formas mais estruturadas e organizadas de financiamento", disse ao Valor o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, um dos curadores da fundação. Na França, por exemplo, a proposta é uma contribuição das empresas listadas em bolsa, cobrada pelos órgãos reguladores. "Um pequena taxa", acrescenta Malan, já prevendo uma provável resistência das empresas brasileiras à adoção de um sistema como esse no país.
Essas negociações passam necessariamente pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), fiscalizador do mercado de capitais, e pelo Banco Central. Procurados, a CVM informou que ainda não foi contatada. O BC não havia respondido até o fechamento desta edição.
Malan, que assumiu o posto em 2008 no lugar do economista Roberto Teixeira da Costa, está diante de uma situação de escassez de recursos. Para resolver a questão, ele acha que é preciso uma reforma estrutural para substituir o sistema atual de colaborações voluntárias.
"Essas colaborações poderiam ser direcionadas para o Comitê de Pronunciamentos Contábeis [responsável brasileiro pela adaptação das normas internacionais], que vem realizando um trabalho excelente", sugere. O CPC recebe recursos do Conselho Federal de Contabilidade, mas seus membros fazem trabalho voluntário.
Em 2008, ano em que pôs em marcha o processo de convergência para as normas internacionais de contabilidade, com a entrada em vigor da Lei 11.638, o Brasil foi o país que, levando-se em conta a contribuição em relação ao produto interno bruto, enviou menos recursos ao Iasb.
Houve uma queda brusca em comparação a 2007, quando Bradesco, Brasil Telecom, Itaú, Petrobras, Vale e a Bolsa de Valores de São Paulo colaboraram com cerca de 139 mil libras esterlinas, no total. No ano passado, só restou a Brasil Telecom (que foi incorporada pela Oi neste ano), com 7,6 mil libras.
"É um trabalho de passar o pires", admite Teixeira da Costa, que ficou na fundação de 2002 até 2007. Ele lembra que no início houve uma resposta "bastante razoável", mas que ele não conseguiu sensibilizar alguns dos grande grupos nacionais nem entidades de governo importantes como o BC (os bancos centrais figuram nas listas de colaboração de vários países) e o Banco do Brasil.
Para ele, a situação agora é mais complexa, e a taxa obrigatória poderia ser parte da solução - mesmo porque Malan não tem o perfil ideal de "passador de pires". Mas ainda assim, no contexto global, Teixeira da Costa acha que falta a colaboração dos principais beneficiários das normas internacionais: os grupos que representam os investidores, como fundos de pensão e fundos mútuos.
O modelo de financiamento do Iasb, baseado em doações por empresas, bancos e órgãos governamentais, vem sendo alvo de críticas, principalmente porque os maiores colaboradores individuais são as grandes firmas de auditoria - que ganham dinheiro assessorando empresas na adoção das normas internacionais.
PwC, Deloitte, KPMG e Ernst & Young, as chamadas "Big Four" do setor, doaram US$ 2 milhões cada em 2008. Somadas a contribuição de outras três firmas - BDO, Grant Thornton e Mazars, que juntas deram US$ 400 mil -, as auditorias foram responsáveis por 33% do total arrecadado pela Fundação Iasc.
"Além do forte apoio financeiro, as auditorias participam muito das discussões para elaboração das normas", afirma César Tibúrcio, professor de contabilidade da Universidade de Brasília. "O efeito disso ainda não foi muito estudado."
Henri Fortin, especialista em gestão financeira do Banco Mundial, diz que "todos têm interesses" nas normas, não apenas os auditores, "profissionais muito respeitados no assunto". Segundo ele, a fundação existe exatamente para garantir que o Iasb funcione sem pressão. Ainda assim, ele admite que o financiamento do órgão é um problema.
E não há uma solução fácil, afirma Guy Almeida Andrade, membro do conselho da Federação Internacional de Contadores (Ifac). Se os governos tivessem uma participação predominante, também seria problemático. "Não é bom que tenha um grupo predominante custeando [o Iasb]", afirma. "Mas a contribuição obrigatória também tem seus problemas." O ideal, conclui, seria ter uma fundação de fato, que se sustentasse com recursos próprios.
14 setembro 2009
A questão do financiamento do Iasb
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