Capitalização da Petrobras é contestada
Especialistas veem condições desiguais para minoritários e dizem que divulgação após a Bolsa abrir foi inapropriada
CVM afirma que analisa as informações prestadas pela companhia;
Petrobras diz que reação do mercado foi típica de aumento de capital
TONI SCIARRETTA - DA REPORTAGEM LOCAL
A capitalização da Petrobras, a maior já anunciada no país e em curso no mundo, pode esbarrar na Lei das S.A., que prevê igualdade de condições entre acionistas controladores e minoritários para aportar dinheiro em empresa aberta. No formato divulgado, os minoritários -incluindo os dos fundos FGTS- terão de desembolsar dinheiro à vista, enquanto a União poderá ceder títulos públicos para comprar ações.
Para viabilizar esse formato, o governo poderá ter de alterar a Lei das S.A. no Congresso, segundo especialistas em direito societário. Para eles, o comunicado sobre a capitalização da empresa pegou o mercado em plena atividade, com conhecimento parcial do assunto, já abordado pelos jornais. A empresa só comunicou a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) às 11h04 e a Bolsa, às 11h08 -o mercado abre às 10h.
Normalmente, a CVM e a Bolsa costumam suspender a negociação de ações se julgar que há "assimetria" de informações no mercado.
"Foi tudo extremamente evasivo, vago e confuso. Tanto que teve uma reação muito negativa do mercado. Dá margem para mil contestações", disse o advogado Jairo Saddi, especialista em direito societário.
Para Luiz Leonardo Cantidiano, ex-presidente da CVM, o governo fez uma divulgação inapropriada. "O simples fato de o governo anunciar no momento em que a Bolsa está aberta e de maneira não institucionalizada pode ser considerado um equívoco. Vivi isso três vezes como presidente da CVM. Não é uma coisa deliberada. É falta de saber como isso prejudica o mercado", disse.
Segundo ele, a Lei das Sociedades Anônimas não permite diferenciação entre acionistas minoritário e controlador nem que o aumento de capital seja feito por meio de títulos.
Já Cantidiano afirma que a Lei das S.A. define que o capital social de uma empresa pode ser formado por dinheiro ou bens, como imóveis, terrenos e títulos. "O mercado não gosta de pagar em dinheiro, e o controlador, em outra moeda. Mas não é ilegal. Pelo volume e características do aumento de capital, a União deve ter decidido pagar com títulos da dívida para não monetizar [transformar em moeda] isso. Mas o minoritário sempre pode questionar."
Para Mauro Cunha, presidente do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa), a capitalização da Petrobras é uma típica transação com parte relacionada (União e empresa controlada), como as feitas por empresas com suas subsidiárias, em que há conflito de interesse. No caso, a União tem o interesse de que a Petrobras compre o petróleo que o governo terá no futuro pelo maior valor possível.
"É importante que o governo resista à tentação de fazer isso, mesmo que atenda às formalidades. O governo tem de ter sensibilidade de preservar a principal companhia do mercado e de submeter [as avaliações] ao voto dos não controladores. Isso coloca em risco todo o desenvolvimento do mercado de capitais", disse Cunha.
Por esse motivo, Edson Garcia, superintendente da Amec (associação dos minoritários), defende que a União se abstenha de votar na assembleia sobre o valor do barril de referência para o aumento de capital. (...)
No Estado de São Paulo de 3 de setembro a questão foi apresentada sob a ótica da empresa. Para a Petrobras, não existem problemas jurídicos:
Capitalização está de acordo com Lei SA, diz Gabrielli
Presidente da Petrobrás negou que haverá restrição para os acionistas minoritários da estatal
Kelly Lima, da Agência Estado - 3/9/2009
RIO - O presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, afirmou nesta quarta-feira, 2, em teleconferência com analistas que a capitalização da companhia prevista em projeto de lei enviado ao Congresso Nacional está "absolutamente de acordo com a Lei das SAs". O executivo foi questionado pelos analistas do setor em razão de reportagem publicada nesta quarta-feira na Folha de S.Paulo que afirma que o governo terá privilégios na compra das ações, porque poderá usar títulos públicos, enquanto os acionistas minoritários terão que desembolsar a quantia em dinheiro.
Embora Gabrielli tenha se negado a dar explicações sobre a capitalização, no dia do anúncio do marco regulatório do pré-sal o site do Planalto trouxe documento afirmando que tanto o governo quanto acionistas minoritários poderão subscrever os papéis em moeda ou títulos da dívida pública, que serão emitidos pelo Tesouro Nacional. Esse critério, para valer, deverá constar do processo de subscrição da Petrobrás.
Gabrielli não tocou nesse assunto, mas foi enfático ao afirmar que a "negociação garante pleno exercício aos acionistas minoritários". "Em nenhum momento haverá restrição para minoritários. Os acionistas exercerão 100% dos seus direitos de aumentar sua participação na Petrobrás na proporção que eles possuam hoje", afirmou.
O presidente da estatal ainda comentou que uma possível diluição do porcentual que estes minoritários ocupam na companhia, e aumento da participação do governo, vai depender "exclusivamente da capacidade e disposição do acionista minoritário de maximizar sua participação na companhia".
No Valor Econômico de 2 de setembro outra questão importante é apresentada: a avaliação dos barris que a empresa irá receber da União. Tudo leva a crer que a primeira estimativa está acima da realidade do mercado:
Capitalização será maior que valor de barris cedidos pela União
Cláudia Shüffner, Rafael Rosas*, Ana Paula Ragazzi,
Graziella Valenti e Silvia Rosa, do Rio e de São Paulo
(...) A estatal, na prática, comprará da União o direito de explorar os até 5 bilhões de barris de petróleo. O aumento de capital será feito justamente para dar condições à companhia de pagar por esse óleo futuro e, ainda, melhorar sua estrutura financeira para fazer frente aos investimentos necessários.
O valor da operação ainda não está definido. A referência será a avaliação dos barris que serão cedidos à empresa pelo governo. "O preço do barril [para avaliação] vai depender da área determinada, da capacidade produtiva, da necessidade de investimentos, do fluxo de preços futuro e da taxa de desconto. Portanto, não estamos dizendo nenhum valor", afirmou Sérgio Gabrielli, presidente da estatal.
(...) Os executivos foram enfáticos quanto a garantir que os minoritários terão direito de participar da operação. "Não há nenhuma exceção", disse Gabrielli, ressaltando que será uma operação padrão de aumento de capital, como garante a Lei das Sociedades por Ações.
"Os acionistas minoritários têm 150% do que o governo tem. Então é você pegar o valor desse óleo e multiplicar por 2,5 e terá o máximo da capitalização", afirmou Almir Barbassa, diretor de relações com investidores da Petrobras.
"Qual é esse valor não sabemos, não vamos antecipar porque não sabemos, vai depender de uma série de avaliações já mencionadas", completou Gabrielli.
As dúvidas do mercado giram em torno de dois pontos principais: o preço dos até 5 bilhões de barris e das novas ações da Petrobras no aumento de capital.
Os analistas de mercado estimam que o barril deve ser avaliado entre US$ 2,5 e US$ 4,00. Na prática, significativa que a Petrobras deveria pagar entre US$ 12,5 bilhões e US$ 20 bilhões pelos direitos de exploração [1] - considerando a quantidade máxima de barris.
(...) Na segunda-feira, no dia do anúncio do novo modelo, comentava-se a possibilidade de atribuição de um preço de US$ 10, o que resultava num valor de até US$ 50 bilhões pelos direitos - considerado excessivamente salgado pelos especialistas. Nesse caso, seguindo o mesmo raciocínio, a capitalização alcançaria US$ 125 bilhões. [2]
Os analistas do Bank of America Merrill Lynch, Frank McGann e Shariff Koya, observam que o preço desse barril de petróleo dependerá de muitos fatores ainda incertos, como custos de exploração e futuro da cotações do óleo.
A avaliação adequada dos 5 bilhões de barris também determinará a aceitação do mercado da transação. Isso porque a União receberá já por um óleo que ainda é considerado "possível", enquanto que os minoritários pagarão para ter direito a essa oportunidade - mas que é também um risco, pelos desafios de exploração e pela incerteza sobre a existência do petróleo na quantidade estimada. [3]
O preço dos novos papéis será determinante para o apetite dos minoritários em subscrever o aumento de capital. Quanto maior for a participação do minoritário na transação, menor será a fatia da União - nunca inferior à atual, de 32,2% no capital total e 55,7% no votante. Porém, como se trata de uma operação sabidamente bilionária, a estatal já alerta para a possibilidade de a União ampliar sua participação na companhia.
Sobre a participação dos minoritários, uma das maiores dúvidas envolve os acionistas que investiram na empresa com recursos do FGTS. Eles detêm hoje 2,1% do capital da estatal. Segundo o superintendente executivo de renda variável da Bradesco Asset Management (Bram), Herculano Aníbal Alves, a instrução que regula esses fundos só permite o aporte com recursos do FGTS. "A regra não permite o aporte com recursos próprios." Os fundos poderiam apenas, segundo ele, vender o direito de subscrição para os demais acionistas, e contabilizar esses recursos no patrimônio do fundo. (*Do Valor Online)
[1] Observe que o intervalo de estimativa é muito elevado.
[2] Um valor mais elevado pode ter como consequência o aumento da participação da União no controle da empresa e efeitos sobre a economia.
[3] Aqui um argumento mostrando que os acionistas serão tratados de maneira diferente.
Negritos do blog.
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