Controladores e minoritários terão de equilibrar interesses
Por Graziella Valenti, de São Paulo - Valor Econômico - 3/8/2009
A reação dos especialistas aos limites criados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para as operações de incorporações, mais novo formato para aquisições e associações de empresas, deixa evidente a diferença de interesses da base acionária de uma companhia. E traz a mensagem de que quando controladores e minoritários não forem atendidos, haverá queda de braço antes de uma transação se concretizar.
Ao avaliar a operação entre Duratex e Satipel, que resultará na maior companhia de painéis de madeira do Hemisfério Sul, o colegiado da autarquia decidiu que quando uma incorporação, ainda que entre companhias de donos independentes, atribuir condições diferentes entre espécie e classes de ações, a fatia que tiver o pior tratamento terá condições de vetar a operação ou negociar melhor valor para seus ativos. Para tanto, a parte que receber a melhor condição fica impedida de votar na assembleia que avaliar a operação.
Antes das empresas de construção, o modelo foi usado na criação da Brasil Foods (BRF), resultado da união de Perdigão e Sadia. Na prática, a estrutura mistura os conceitos legais de venda de controle com os de incorporação.
Entretanto, como a decisão do regulador foi para o caso da Duratex, Sadia e Perdigão consultarão a CVM ao longo da semana para saberem se terão que seguir o mesmo entendimento, segundo apurou o Valor.
A companhia de painéis de madeira já informou, na sexta-feira, que o controlador não votará na assembleia, em atendimento à decisão do regulador.
As incorporações são, em geral, recebidas com desconfiança pelo mercado por serem compulsórias para os minoritários, especialmente quando há controle definido na empresa. Como dependem apenas do crivo da assembleia de acionistas e como o dono tem maioria, a aprovação é certa nesses casos.
Para reduzir esse descontentamento, as operações em questão ofereceram aos acionistas fora do controle 80% ou pouco mais que isso da condição atribuída ao dono, para detentores de ordinárias e preferenciais. Basearam-se no direito que esse grupo tem em caso de venda do controle, estabelecido pela Lei das Sociedades por Ações, conhecido como tag along.
Mas a decisão da CVM deixa claro que não há como estabelecer tal relação, considerada, inclusive, indevida para incorporações. Dois diretores do regulador foram além na análise do caso: consideraram ilegal atribuir direito econômico diferente às ações ordinárias do dono e do investidor, o que não seria permitido pela Lei das S.As.
Pedro Rudge, sócio da gestora de recursos Leblon Equities, acredita que as operações em questão não eram economicamente ruins, mas tinham potencial danoso, como exemplo. "Foi uma decisão muito importante, especialmente, olhando para frente, para o que poderia vir."
Régis Abreu, diretor da comissão técnica da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), alerta que essas transações transformaram um direito (tag along) numa obrigação. "A posição da CVM foi emblemática. Acendeu a luz de alerta para as próximas negociações."
Já para banqueiros de investimento que desenvolvem as estruturas junto com advogados, a posição da CVM não foi positiva. Ao contrário, o ambiente de negócios ficaria muito mais difícil. Para eles, a incorporação é o meio mais adequado, por facilitar o aproveitamento das sinergias operacionais. O resultado prático de uma operação desse tipo é que ou a empresa se torna uma subsidiária integral ou é completamente absorvida ao ser incorporada. E isso facilitaria a gestão após uma aquisição ou fusão, tornando-a mais eficiente.
Na prática, segundo um dos banqueiros consultados pelo Valor, a decisão coloca os minoritários das empresas envolvidas na mesa de discussão, tornando a negociação mais complexa e o consenso dos interesses mais difícil. Seria, assim, perda de eficiência.
O debate da questão na CVM, conforme apontam as atas da reunião do colegiado em que a decisão foi tomada, indica que foi justamente essa a intenção: dar ferramentas para que todos negociem sobre sua condição, de forma a evitar que algum grupo específico seja beneficiado em relação a outro.
Em seu voto, o diretor da autarquia e relator do caso, Marcos Pinto, afirma ser "óbvio que a incorporação beneficia o controlador de modo distinto dos demais, o que é suficiente para caracterizar o benefício particular". A Lei das S.As determina que caso haja alguma vantagem desse tipo, o beneficiado não pode votar na assembleia sobre a questão. "Embora cada acionista tenha interesse em definir uma relação de troca mais favorável para si próprio, apenas o controlador está recebendo tratamento especial", escreve ele. Daí, a conclusão do colegiado.
Pinto enfatiza, em seu voto, ser natural que a preocupação da incorporadora seja com o valor total do negócio e não com sua divisão. Já os controladores também tendem a, naturalmente, buscar um preço melhor para sua posição, enquanto que os minoritários podem ficar de fora do debate.
O ex-presidente da CVM Luiz Leonardo Cantidiano é um crítico do argumento do benefício particular. Por isso, vê com ressalvas a decisão, numa avaliação preliminar. Contudo, acredita que há espaço para debater, especialmente, a diferença de tratamento entre as ordinárias dos controladores e dos minoritários.
Embora a decisão da autarquia atenda às queixas recentes, os investidores sabem que os conflitos não terminarão. "Criatividade sempre vai existir. Não dá para o regulador fazer regra pensando em quem não vai cumprir", pondera Rudge, da Leblon.
A linha do tempo das regras para operações mostra o equilíbrio das forças ao longo do tempo. No começo dos anos 2000, muitos controladores faziam ofertas pelas preferenciais no mercado, em busca de preço médio. Veio, então, a instrução regulando ofertas por ações e essas transações tornaram-se mais raras. Surgiram, então, as incorporações de controladas. Em setembro do ano passado, a CVM emitiu um parecer, com orientações para dar mais equilíbrio a tais transações. Na sequência, surgiram as incorporações como aquisições. A diferença é que, desta vez, a definição veio antes da concretização dos negócios.
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