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25 agosto 2009

Crise na Receita

Mudanças na Receita provocam rebelião de grupo ligado a Lina
RENATA VERÍSSIMO, LU AIKO OTTA, FABIO GRANER e ADRIANA FERNANDES
O Estado de São Paulo - 25/8/2009

O início do processo de demissão dos principais integrantes do grupo político da ex-secretária da Receita Federal Lina Maria Vieira provocou ontem uma rebelião no órgão. Seis superintendentes, cinco coordenadores de área e um subsecretário da Receita puseram seus cargos à disposição em carta ao atual secretário, Otacílio Cartaxo. No documento, os demissionários condenam o que chamam de “clara ruptura com a orientação e as diretrizes que pautavam a gestão anterior”. Lina falava em fiscalizar os “grandes contribuintes”, em vez dos “velhinhos e aposentados”. Além da disputa política, a arrecadação fraca está entre os fatores da crise na Receita - para a Fazenda, os “rebeldes” colocaram os cargos à disposição apenas para se antecipar a uma demissão dada como certa.

O ministro Guido Mantega cobrou de Cartaxo um plano para recuperar o volume de recolhimento de tributos até o fim do ano. Com a melhora recente de alguns indicadores econômicos, o ministro está convencido de que o desempenho das receitas também já poderia ter melhorado. Os números divulgados na semana passada, porém, mostraram que a arrecadação das chamadas receitas administradas apresentaram redução de 7,03% em julho na comparação com julho de 2008, a nona queda consecutiva em relação ao mesmo mês do ano anterior.

Nos próximos dias, o governo anuncia sua proposta de Orçamento para 2010 com um volume de receitas administradas semelhante ao do projeto de lei referente a este ano. Nesse quadro, não há espaço para grandes saltos nos investimentos, como seria desejável num ano eleitoral.

Para Mantega, segundo narram assessores do Ministério da Fazenda, esse decepcionante resultado em 2009 é indicador também de um fraco desempenho da administração tributária na cobrança e fiscalização dos impostos, especialmente das contribuições previdenciárias. O ministro tem sido cobrado por Lula sobre a queda na arrecadação.

GUERRA DE VERSÕES

Ontem, o Diário Oficial da União trouxe a exoneração de dois integrantes do grupo de Lina que participaram da guerra de versões entre a ex-secretária e a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, sobre uma reunião na qual a então chefe da Receita teria recebido pedido para apressar a fiscalização do empresário Fernando Sarney, filho do senador José Sarney (PMDB-RR). A ministra nega a reunião e o pedido.

Foram exonerados Iraneth Maria Weiler, que confirmou na imprensa que a secretária executiva da Casa Civil, Erenice Guerra, havia se encontrado com Lina no gabinete da Receita Federal para agendar o encontro com Dilma. Também perdeu o cargo de confiança Alberto Amadei Neto, assessor especial do gabinete da Receita, que assessorou Lina durante seu depoimento na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado sobre a suposta reunião com Dilma.

A “faxina”, contudo, vai além. Na semana passada, o subsecretário de Fiscalização, Henrique Jorge Freitas da Silva, foi informado de que seria afastado. Outro que está na lista é o coordenador de Estudos Tributários, Marcelo Lettieri, funcionário que também esteve no Senado acompanhando Lina. Sua participação na reunião, assim como a de Amadei, acendeu a luz vermelha no gabinete de Mantega.

A lista se estende aos superintendentes Dão Real (Rio Grande do Sul) e Luiz Sérgio Soares (São Paulo). Os quatro são signatários da carta de demissão conjunta. É a coincidência entre os nomes da carta e a lista de demissões a executar pela Receita que faz a Fazenda considerar a rebelião como um ato de antecipação a algo que já iria ocorrer.

A rebelião foi articulada no último fim de semana e seu principal estopim foi a notícia do afastamento do chefe da Fiscalização, Henrique Jorge Freitas. “Ele havia encontrado meios de, com pouca gente, alcançar a indústria, o comércio, o setor de informática e fiscalizar os grandes contribuintes”, disse o superintendente adjunto da 4ª Região Fiscal, Luiz Carlos Queirós. Sua saída seria uma ruptura “radical” de um projeto coletivo, explicou.

Dirigentes da Receita veem "ruptura" e entregam cargos
Folha de São Paulo
LEONARDO SOUZA

Doze integrantes da cúpula da Receita Federal pediram exoneração coletiva na tarde de ontem, num levante contra a interferência política no órgão patrocinada pelo ministro Guido Mantega (Fazenda) e o Palácio do Planalto. Os demissionários são o subsecretário de Fiscalização e cinco dos dez superintendentes regionais do órgão (entre os quais o de São Paulo), além de cinco coordenadores-gerais e um superintendente-adjunto.

A decisão do grupo de superiores hierárquicos provocou efeito em cascata noutros níveis de comando da Receita, o que ameaça paralisar o fisco. No início da noite, delegados, inspetores, chefes de departamento e superintendentes-adjuntos também avisaram que deixarão suas funções.

A iniciativa dos servidores é uma reação à demissão da ex-secretária Lina Vieira e à "ruptura" no projeto implantado por ela e sua equipe, que priorizava a fiscalização sobre os grandes contribuintes.

Na carta de exoneração entregue ontem ao substituto de Lina, Otacílio Cartaxo, os demissionários ressaltaram que esperam que a nova gestão do órgão "mantenha e aprofunde a política de fiscalização que vem sendo implementada com foco nos grandes contribuintes" e que "não tolere qualquer tipo de ingerência política".

Cartaxo começou a dar sinais dos novos rumos do órgão na semana retrasada, quando fez uma interpretação favorável da manobra contábil adotada pela Petrobras em meados de 2008. Na gestão de Lina, a Receita soltou nota com entendimento contrário ao da estatal. O episódio serviu de estopim para o governo demitir a secretária.

Na madrugada de sexta-feira, o levante contra Cartaxo ganhou força. Numa reunião em sua casa em Brasília, ele anunciou exonerações e disse aos presentes que, devido a pressões do ministro Mantega, não teria como segurar Henrique Jorge Freitas, o subsecretário de Fiscalização, um dos 12 que entregaram o cargo ontem.

O aviso foi interpretado pelos dirigentes da Receita de que haverá um recuo na política de cerco aos grandes contribuintes -uma marca da curta gestão de Lina Vieira e que gerou, no primeiro semestre deste ano, um recorde de autuações. Lina Vieira foi demitida em 9 de julho. Disse que Mantega comunicou-a de que era uma "decisão de cima" -no organograma do governo federal, o presidente Lula ou a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil).

Um mês depois, a ex-secretária confirmou à Folha que havia sido chamada, no final de 2008, para uma reunião a sós com Dilma, em que esta teria pedido para encerrar as investigações sobre os negócios da família do senador José Sarney (PMDB-AC), aliado histórico do governo Lula. A ministra nega a existência do encontro.

Cartaxo, que era braço direito de Lina, assumiu o cargo duas semanas atrás, um dia depois do depoimento no Congresso em que se calou sobre a queda da ex-chefe e anunciou o "novo entendimento" da Receita acerca da manobra contábil usada por grandes empresas -a Petrobras entre elas. Ontem, o "Diário Oficial da União" divulgou a exoneração de dois funcionários de confiança da diretoria. Iraneth Weiler, chefe de gabinete que em entrevista à Folha confirmou a versão de Lina sobre o encontro com Dilma no Planalto, foi uma das dispensadas.

Segundo a Folha apurou, o protesto coletivo de ontem, além de chamar a atenção para a "ruptura", visa a constranger o governo federal e impedir intromissões de natureza política na Receita a pouco mais de um ano das eleições -quando os partidos já se movimentam em busca de doações financeiras.

A Folha tentou sem sucesso ouvir Mantega. No final de semana, o Planalto minimizou a insatisfação dentro da Receita e relacioná-la à "troca natural" de cargos após a saída de Lina.

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