Contabilidade: Empréstimos de bancos são a próxima bolha a estourar
Jonathan Weil, Bloomberg, de Nova York - Valor Econômico - 26/8/2009
É impressionante o que um pouco de luz pode fazer. Chequem as notas explicativas do balanço trimestral mais recente do Regions Financial e verão uma revelação notável. Ali, numa tabela fácil de ler, a companhia divulgou que os empréstimos em seus livros, em 30 de junho, valiam US$ 22,8 bilhões a menos do que seu balanço dizia. Em comparação, o patrimônio líquido do banco, cuja sede fica em Birmingham, Alabama, era de apenas US$ 18,7 bilhões.
Então, se não fossem pelos valores inflados dos empréstimos, o patrimônio do Regions Financial seria inferior a zero. Enquanto isso, o governo continua classificando o banco como "bem capitalizado".
Embora divulgações do tipo não sejam novidade, sua frequência o é. Esta temporada de balanços financeiros marcou a primeira vez em que as companhias dos Estados Unidos tiveram de publicar o valor justo de todos seus instrumentos financeiros de forma trimestral. Antes, a exigência era apenas anual, pelas regras do Conselho de Padrões de Contabilidade Financeira (Fasb).
O momento das revelações é estranho. Em julho, em decisão que deixou o lobby bancário enfurecido, o Fasb informou que seguiria com o plano de ampliar o uso da contabilidade de valor justo para os instrumentos financeiros. Em resumo, todos os ativos financeiros e a maioria dos passivos financeiros teriam de ser contabilizados pelos valores de mercado nos balanços de cada trimestre, embora nem todas as flutuações em seus valores contariam no lucro líquido. Uma proposta formal poderia ser divulgada por volta do fim do ano.
A maior mudança seria a forma de tratamento dada aos empréstimos. As atuais regras do Fasb deixam as instituições de crédito contabilizar a maioria de seus empréstimos nos livros pelo custo histórico, rotulando-os como mantidos até o vencimento ou mantidos como investimento. Em geral, isso significa que as perdas com esses empréstimos podem ser admitidas apenas quando a diretoria as considere prováveis, apesar da possibilidade de que pudessem ser previstas muito antes. Usar a contabilidade de valor justo aceleraria a admissão das perdas com empréstimos e resultaria em lucros e valores contábeis mais baixos.
Embora o Regions Financial possa ser um exemplo extremo de valores inflados dos empréstimos, não é o único. O Bank of America informou que seus empréstimos, em 30 de junho, valiam US$ 64,4 bilhões menos do que o seu balanço dizia. A diferença representava 58% de seu capital próprio nível 1, um indicador de patrimônio usado pelas autoridades reguladoras, que exclui as ações preferenciais e muitos ativos intangíveis, como o ágio acumulado em aquisições de empresas.
O Wells Fargo informou que o valor justo de seus empréstimos era US$ 34,3 bilhões inferior a seu valor nos livros, em 30 de junho. O capital próprio nível 1 do banco, em comparação, era de US$ 47,1 bilhões.
As disparidades entre os valores dos empréstimos dos bancos cresceram à medida que o ano avançou. O Bank of America havia divulgado que a diferença de valor justo, em 31 de dezembro, de seus empréstimos era de US$ 44,6 bilhões. No fim de 2008, a diferença no Wells Fargo era de apenas US$ 14,2 bilhões, menos da metade do que passou a ser seis meses depois. No Regions Financial, era de US$ 13,2 bilhões.
O SunTrust Banks está entre as outras instituições de crédito com grandes divergências no valor dos empréstimos. Exibiu diferença de US$ 13,6 bilhões, em 30 de junho, acima de seu capital próprio de US$ 11,1 bilhões. O KeyCorp anunciou que seus empréstimos valiam US$ 8,6 bilhões a menos do que o valor contábil, sendo que o capital próprio nível 1 era de apenas US$ 7,1 bilhões.
Quando o valor de mercado de um empréstimo cai, é possível que a instituição de crédito cobrasse mais pelo mesmo empréstimo hoje. Também pode ser que as pessoas de fora vejam uma chance maior de inadimplência do que a diretoria presume. Talvez, o valor da garantia do empréstimo tenha desabado, mesmo com o captador não tendo deixado de honrar os pagamentos do empréstimo.
A tendência no valor dos empréstimos dos bancos não é uniforme. Entre as 24 companhias do índice KBW Bank, 12 informaram que o valor justo de seus empréstimos está dentro de uma margem de diferença de 1% do valor contábil, incluindo o Citigroup. O valor justo dos empréstimos do Citigroup estava em US$ 601,3 bilhões, apenas US$ 1,3 bilhão a menos do que o valor nos livros. No fim de 2008, a diferença era de US$ 18,2 bilhões.
A história nos traz algumas lições aqui. Um problema comum na crise das instituições de poupança e empréstimos nos anos 80 foi sua dependência do financiamento de curto prazo a taxas de mercado para financiar suas operações, que consistiam basicamente em emitir hipotecas de longo prazo com juros fixos. Quando as taxas apresentaram fortes altas, as instituições de poupança caíram em uma armadilha na qual seus ativos não geravam retorno suficiente para cobrir seus passivos.
As regras contábeis também deixavam aberta a oportunidade para ganhar com a negociação dos papéis. As empresas contabilizavam os lucros com a venda dos ativos com bom desempenho e mantinham as de mau desempenho em seus livros, contabilizadas pelos preços antigos, inflados. Se as instituições de poupança tivessem marcado os empréstimos pelo valor de mercado em seus balanços, seus problemas teriam ficado claros muito antes para as pessoas de fora. (O Fasb não exigia a nota explicativa, anual, sobre o valor justo até 1993.)
As diferenças no valor justo de hoje, no mínimo, ressaltam a arbitrariedade dos valores contábeis e do capital regulador. Pelas regras atuais, os bancos já têm a opção de contabilizar os empréstimos pelo valor justo. A maioria dos bancos prefere não fazê-lo na maior parte das vezes, sob o argumento de que pretendem manter os empréstimos até o vencimento e esperar que o dinheiro entre. Consequentemente, a diferença entre o banco bem capitalizado e o tragicamente subcapitalizado pode depender de nada além do que o estado de espírito de um executivo-chefe altamente bem remunerado.
As estimativas de valor justo no curto prazo podem até ser um indicador deficiente do valor final de um ativo, especialmente quando os mercados não funcionam com suavidade. O problema de ficar dependente das intenções da diretoria é que ela pode ser ainda menos confiável. Pelo menos, agora, recebemos alguns números reais, mesmo que seja necessário escavar nas notas explicativas para obtê-los. (Jonathan Weil é colunista da Bloomberg. As opiniões expressas neste artigo são pessoais.)
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