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06 julho 2009

Tributos e Judiciário

Apesar de não abordar a questão do tempo de tramitação da ação, a seguir, um texto interessante sobre a questão tributária e o judiciário:

Decisões não avaliam o mérito
GISELLE SOUZA
Jornal do Commércio do Rio de Janeiro - 6/7/2009

Mais de 60% das decisões proferidas pelos cinco tribunais regionais federais (TRFs) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em casos de crimes tributários, não analisaram o mérito das ações, revela pesquisa do Núcleo de Estudos sobre o Crime e a Pena da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), divulgada na semana passada.

De acordo com o levantamento, no STJ, chega a 70% o índice de decisões que discutem apenas o prosseguimento ou a extinção da ação penal. Nos tribunais de segunda instância da Justiça Federal, a taxa é de aproximadamente 64% das decisões proferidas pelos TRFs. Fazem parte desse grupo de decisões o prosseguimento ou trancamento da ação penal, o prosseguimento ou trancamento do inquérito policial, a suspensão do processo/pretensão punitiva; o recebimento ou rejeição da denúncia e a anulação do processo.

Também segundo o estudo, as decisões que propriamente analisam o mérito da causa – ou seja, se houve ou não crime e se o acusado deve ser condenado ou absolvido – representam apenas 11,8% no STJ e 25% nos tribunais regionais federais.

“Temos dados relacionados ao prosseguimento ou trancamento da ação. A maior parte dos recursos se dá no decorrer da ação penal. A regra geral é a de que o juiz de primeira instância decide e, apenas depois, a questão vai parar nos tribunais. Nos crimes tributários é justamente isso o que não ocorre”, afirmou Maíra Rocha Machado, uma das coordenadoras da pesquisa.

“São várias as conclusões que podemos tirar disso. A primeira é de que a discussão dos tribunais regionais e da corte superior está centrada na relação entre o Direito Penal e a esfera administrativa. Há um grande número de recursos com vistas a interromper a ação penal no meio do caminho antes que o juiz decida se o crime ocorreu ou quem foi autor”, acrescentou a pesquisadora.

De acordo com ela, os dados suscitam a discussão em torno da necessidade ou não do término da via administrativa para o início da ação penal. Tanto que essa questão está presente em 29,7% das decisões do STJ e 17% das determinações proferidas pelos tribunais regionais federais.

CONDENAÇÕES

Quanto às condenações, a pesquisa mostra que, nos TRFs, elas representaram 20,6% das decisões. No STJ, por sua vez, 9,2%. Segundo Maíra, o quadro muda nos casos em que o mérito foi analisado. “Olhando as situações em que houve decisão de mérito o número de condenações é superior ao de absolvições. No STJ, foram 78,3% de condenações e 17,4% de absolvições. Isso, no entanto, só nos casos em que houve decisão de mérito”, explicou.

Em relação ao resultado das ações, de um modo geral, a pesquisa mostrou que, entre os tribunais regionais federais, das decisões proferidas, 32% foram para o trancamento ou suspensão do andamento da ação penal. As cortes também determinaram, em 30% das ações, o prosseguimento do processo. No STJ, as decisões para o prosseguimento representaram 29,2% dos casos. Trancamento ou suspensão chegaram a quase 40% das determinações.

Na média, as decisões analisadas se distribuem da seguinte forma: aproximadamente 35% das decisões pelo trancamento ou suspensão do processo; aproximadamente 30% pelo prosseguimento do caso; e 16,4% pela condenação. O número de absolvição foi considerado bastante reduzido.

“A extinção da punibilidade ocorre justamente no momento em que o devedor pagou o tributo. Já a suspensão quando ele parcelou o débito. O trancamento, por sua vez, se dá por várias outras hipóteses, entre as quais a de que a administração precisa terminar o processo”, explicou.

Segundo a pesquisa, com fundamentos no princípio da isonomia, os tribunais ampliaram progressivamente as hipóteses de extinção da punibilidade inicialmente previstas na legislação. A possibilidade de se extinguir a punição foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro em 1995, com o artigo 2° da Lei 4.729/65, o qual exigia o recolhimento do tributo antes do início da ação fiscal. Desde então, passou por mudanças, sobretudo em 1991, com a edição da Lei 8.383/91, que instituiu a Unidade Fiscal de Referência e alterou a legislação do Imposto de Renda.

JURISPRUDÊNCIA

Segundo a pesquisa, o STJ chegou a adotar quatro teses favoráveis à concessão da extinção da punibilidade. Foram elas: regular situação do contribuinte perante o Fisco, em decorrência da formalização de parcelamento do débito antes do recebimento da denúncia, afasta a justa causa para a ação penal; o simples deferimento do acordo de parcelamento equivale à promoção do pagamento, extinguindo-se a punibilidade; o acordo de confissão de dívida implica em nova ação e, portanto, na extinção da dívida antiga, sendo que no surgimento desta outra, opera-se o efeito jurídico idêntico ao pagamento, ou seja, a extinção da punibilidade; e parcelamento, com a prova do regular pagamento das parcelas, constitui promoção do pagamento, extinguindo-se a punibilidade.

“O aumento do papel do Judiciário na discussão sobre o alcance da extinção da punibilidade torna-se bastante visível com a frequência de decisões sobre esse tema encontradas na pesquisa e, especialmente, pelas tentativas por parte da defesa, autora de 71,7% das decisões que analisamos, de ver a norma legal sobre extinção da punibilidade estendida para casos que, a princípio, não estavam previstos”, explicou Marta Rodriguez de Assis Machado, que também coordenou o estudo.

A pesquisadora disse que o estudo fornece elementos para maior reflexão a respeito da interação entre a política fiscal e a política criminal brasileiras. “A interação entre o direito penal e o direito administrativo na área dos crimes tributários pode ser feita de duas formas. A primeira, exigir que a autoridade tributária tenha decidido pela existência de débito fiscal para que a conduta do contribuinte possa a vir ser reconhecida como crime pela esfera penal. A segunda é estimular o pagamento do débito tributário como forma de afastar a intervenção da esfera penal, mediante o mecanismo da extinção da punibilidade. Essas duas questões são muito controvertidas, daí motivarem uma grande quantidade de recursos”, disse.

Marta lembrou que esses dois mecanismos de interação entre as esferas penal e fiscal assumiram diferentes formatos no campo penal tributário desde a primeira regulamentação, em 1965. A discussão, no entanto, não foi esgotada. Há ainda que se debater as relações entre as esferas administrativa e penal, no que diz respeito à comunicação entre elas e aos efeitos que a decisão de uma esfera tem na outra.

O levantamento foi elaborado com base na análise de 530 decisões emitidas pelos tribunais regionais federais e pelo STJ. Trata-se da segunda etapa do projeto Contribuições Para a Reforma da Legislação Penal Econômica Brasileira. A primeira fase se constituiu no diagnóstico da aplicação da lei dos crimes financeiros pelos tribunais brasileiros, divulgado no ano passado.

*** Mais de 70% dos recursos julgados pelo STJ e mais de 60% dos recursos julgados pelos TRFs envolvendo a Lei 8.137/90 (que define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo), provêm das regiões sul e sudeste, em especial do Estado de São Paulo, que concentra 36,2% do total de acórdãos analisados. Os estados do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul aparecem em segundo lugar, com 10% do total de casos.

*** A defesa recorre com maior freqüência ao STJ e aos TRFs do que o Ministério Público. De fato, do total de acórdãos verificados na pesquisa, 71,7% tiveram a defesa como recorrente/impetrante, ao passo que o Ministério Público representa 22,3% dos recursos ou ações impugnativas. No STJ, a defesa interpõe 81,5% dos recursos/ações impugnativas, contra 17,4% interpostos pelo Ministério Público. Nos TRFs, são 66,0% contra 25,1%.

*** De acordo com o estudo, os casos analisados em que houve decisão condenatória pelo STJ, por ordem de freqüência, tratam de fraude à fiscalização tributária; omissão de informação ou prestação de declaração falsa às autoridades fazendárias; elaboração, distribuição, fornecimento, emissão ou utilização de documento falso ou inexato; falsificação ou alteração de documento relativo à operação tributável; não fornecimento de nota fiscal ou documento equivalente, quando obrigatório e não recolhimento de tributo ou contribuição social.

*** A tese mais alegada pela defesa no âmbito das decisões de prosseguimento foi a de ausência de exaurimento da via administrativa. O argumento está presente em quase a metade dos recursos interpostos.

*** Do total de decisões analisadas no STJ, poucas trataram de questões de natureza cautelar, sendo que a maioria delas estava relacionada com a matéria de liberdade. Houve também um caso de medida cautelar relacionada ao sigilo telefônico.

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