Extrato esquecido sobre a mesa revela ação fraudulenta no BEC
Juliano Basile, de Brasília - Valor Econômico - 22/7/2009
Numa decisão inédita, o Tribunal de Contas da União (TCU) condenou a diretoria antiga do Banco do Estado do Ceará (BEC) por fraudes na mesa de operações. Foi a primeira vez que o TCU identificou irregularidades na condução de operações financeiras por um banco estatal - envolvendo a diretoria do BEC entre agosto de 2002 a janeiro de 2003. A decisão é um indicativo de que o tribunal vai passar a monitorar os negócios dos bancos públicos, tarefa até então restrita aos Banco Central e à Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
O TCU verificou que um alto funcionário do banco comprava títulos públicos federais na alta e vendia na baixa. Operava com ajuda de uma intermediadora e, depois, obtinha depósitos dessa empresa numa conta pessoal.
Essas operações movimentaram R$ 180 milhões. O TCU calculou em R$ 8,7 milhões o prejuízo específico das movimentações com títulos, mas o potencial lesivo foi muito maior: o BEC foi vendido por R$ 700 milhões ao Bradesco, em dezembro de 2005, depois de um processo de federalização e de saneamento que custou mais de R$ 900 milhões.
As fraudes ocorreram depois que a instituição já havia sido federalizada e o governo federal já trabalhava para colocar as contas do BEC em ordem para a privatização. A descoberta da fraude ocorreu por acaso.
"Os fatos só foram percebidos em vista da suspeita que recaiu sobre o responsável pela mesa de negociações (Luciano Medeiros Bertini), que, ao deixar seus extratos sobre uma mesa, expôs a movimentação de sua conta, onde constavam créditos de valores muito superiores a seus proventos, o que motivou a investigação", relatou a presidência do BEC ao TCU.
Bertini era chefe substituto do Departamento de Administração Financeira. Ele teria feito uma série de operações junto à Turfa DTVM, com sede no Rio de Janeiro, através do corretor Humberto Thomé, que intermediou as negociações. Para burlar a fiscalização interna, Bertini teria feito manipulações nos números que chegavam da Associação Nacional das Instituições do Mercado Financeiro (Andima) e continham os preços médios do mercado.
As manipulações só foram constatadas em 2005. Como o BEC estava para ser privatizado, a diretoria optou por evitar a divulgação do caso. "Medidas adicionais de controle deixaram de ser adotadas em razão de que o BEC vivia momento de exceção, convivendo com a expectativa de sua venda", diz relatório do TCU.
O chefe substituto alegou ao TCU que as operações não prejudicaram o BEC, "vez que, no período investigado, o banco apresentou lucro real, ou seja, ganho de capital". Também argumentou que as auditorias internas não foram capazes de comprovar sua responsabilidade. Por fim, que a "natureza das operações de compra e venda de títulos" é bastante complexa, "devendo ser considerado outras variáveis que influenciam o mercado financeiro e as tomadas de decisões".
O TCU não aceitou as explicações. Segundo o relator do processo, ministro Valmir Campelo, a defesa foi contraditória ao dizer que os controles existentes eram suficientes para identificar irregularidades. "Veja que Bertini foi obrigado a alterar artificiosamente os dados com o intuito de mascarar os negócios", afirmou. Segundo ele, a adulteração não foi detectada de imediato e " demais ações danosas" também "não foram impedidas". O TCU levou em consideração ainda uma série de telefonemas entre Bertini e Thomé na época das operações, inclusive em dias não-úteis e após as 20h.
A direção do banco foi condenada pelo TCU pelas falhas na fiscalização. O presidente do BEC na época das fraudes, Carlos Alberto Ribeiro da Silva, o então diretor de finanças e controle, Fernando Ribeiro Hermida, e seu substituto Alvarino Erven de Abreu alegaram que as irregularidades não foram constatadas no início, mas que informaram o caso ao Ministério Público Federal, assim que verificaram a manipulação.
Na prática, Bertini foi condenado pela prática de irregularidades, enquanto os demais por falhas na fiscalização. Bertini e Silva foram condenados a multas de R$ 40 mil cada. Hermida e Abreu, de R$ 20 mil. Eles deverão ser processados pelo Ministério Público Federal para ressarcir o prejuízo de R$ 8,7 milhões. Dia 8 o TCU aprovou o envio de cópia do processo ao Banco Central para que tome as devidas providências.
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