Psicologia do investidor
26 Maio 2009
Valor Econômico
Ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 2002, apesar de não ser economista de formação, o psicólogo israelense Daniel Kahneman chama a atenção por seu estilo extremamente atencioso para com seus interlocutores. Autor da chamada "Teoria da Perspectiva", juntamente com Amos Tversky, em 1979, o psicólogo mostrou que as decisões econômicas dos indivíduos nem sempre são racionais. A pesquisa econômica até então assumia que pessoas são motivadas por incentivos materiais e tomam decisões de modo a sempre maximizar os ganhos. Kahneman e Tversky mostraram que isso não é bem assim.
Aos 75 anos, o professor de psicologia na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, é uma das estrelas do 5º Congresso Anbid de Fundos de Investimento, que começa hoje. A participação de Kahneman será amanhã. Por telefone, ele falou ao Valor e disse que o atual otimismo dos mercados pode ser considerado irreal. Para Kahneman, as mudanças regulatórias adotadas pelo governo americano ajudam, mas não são capazes de evitar novos problemas.
Valor: Os investidores tendem a colocar muito peso na performance passada das aplicações. Como a atual turbulência afeta as expectativas das pessoas no que se refere a seus investimentos?
Daniel Kahneman: Não tenho certeza se haverá grandes impactos no comportamento do investidor. Os mercados estão atualmente otimistas, por diferentes razões, porque a situação não está tão ruim quanto se esperava. E quando as coisas não vão tão mal quanto se esperava, as ações tendem a subir. Você perguntou se haverá grandes mudanças na forma como as pessoas pensam o mercado acionário e eu acho que é ainda muito cedo para dizer.
Valor: Temos visto os mercados acionários se recuperando rapidamente. Isso pode ser uma bolha?
Kahneman: Você sabe que sou um psicólogo, e acho que, hoje, nem os economistas sabem responder essa pergunta. Houve uma queda grande dos mercados e agora há uma recuperação muito rápida, mas acho que nenhum economista seria capaz de responder a essa pergunta. Alguns economistas conhecidos estão muito pessimistas, mas eles já estavam pessimistas no passado...
Valor: O senhor trabalha na fronteira entre a psicologia e a economia. Quais dificuldades e desafios você enfrenta nesse trabalho?
Kahneman: As finanças comportamentais são uma abordagem da economia muito influenciada pela psicologia, mas não acredito que os mercados são perfeitos ou profundamente racionais. Algumas teorias sobre a percepção do mercado estão completamente erradas. Na minha opinião, um dos mais importantes momentos da crise é o que chamo de "a confissão de Alan Greenspan", quando o ex-presidente do banco central americano disse no Congresso que sua teoria, de que os bancos agem como agentes racionais, estava errada. O fato de essa teoria ter se provado errada levará a maiores precauções na economia por um bom tempo e, no momento, está aumentando a credibilidade das finanças comportamentais.
Valor: Por que esse momento foi o mais importantes da crise?
Kahneman: Não tenho certeza se foi um dos mais importantes momentos para a economia, mas foi importante para seu desenvolvimento intelectual. Alan Greenspan representa aqueles que não acreditam em regulação, que acreditam no mercado, na racionalidade das instituições. A atitude dele, portanto, foi particularmente surpreendente. Ele era claramente a figura mais importante na aplicação dessas teorias.
Valor: Na Teoria da Perspectiva, os investidores se mostram frequentemente irracionais em suas decisões. Na outra ponta, há economistas que acreditam que o mercado é eficiente. Como o senhor vê esses dois pontos de vista nesta crise?
Kahneman: Pelo menos nos Estados Unidos, está claro que houve irracionalidade das pessoas que especularam com imóveis. No que diz respeito à especulação feita pelo bancos, é difícil chamar de irracionalidade, porque os banqueiros já são ricos. A teoria de que bancos ou instituições financeiras podem ser agentes racionais caiu por terra. Não há conexão com o que aconteceu e a Teoria da Perspectiva, mas há a uma ligação direta com as ideias de que o mercado corrige os erros. Os bancos, ou seja, o mercado, amplificaram os erros.
Valor: A crise veio após alguns anos de exuberância. Isso levou os investidores a tomarem mais risco do que estavam preparados?
Kahneman: Não há dúvida disso. O maior desafio ao se tomar risco acontece não porque as pessoas tomam esse risco, mas porque elas não conhecem o risco que estão correndo. Até certo ponto, é o que pode ser ver nesse otimismo irreal. Há uma importante contribuição do livro "Cisne Negro", escrito por Nassim Taleb, antes da crise, mostrando que há sempre mais risco do que as pessoas conhecem. Ele diz que todo evento é maior do que as pessoas pensam, esperam.
Valor: Certa vez o senhor disse que as pessoas seriam melhores investidores se tomassem menos decisões. A atual turbulência mostrou que os indivíduos tendem a comprar na alta e entrar em pânico quando os mercados caem?
Kahneman: É absolutamente o caso. Em geral, quando se observa os fundos de investimento, por exemplo, e as pessoas que investem neles, vê-se que as pessoas compraram no pico. Há um grande número de indivíduos que negociam com o comportamento errado. Está muito claro que, na média, eles fazem isso de forma muito simplista. E quanto menos as pessoas fizerem isso, melhor.
Valor: Alguns dizem que a origem desta crise está no fato de os americanos gastarem mais do que podem e pouparem menos do que deveriam. O senhor concorda?
Kahneman: Isso é um fato. O grau de poupança nos Estados Unidos está historicamente baixa, até negativo nos últimos anos. Estava claro que essa era uma situação insustentável. Talvez não tenha precipitado a crise, mas com certeza foi um dos seus motivos, e não há sinais que isso deve voltar ao normal tão cedo.
Valor: Os reguladores estão ajudando a tornar o sistema financeiro mais frágil ao encorajarem a consolidação dos bancos? Isso pode ser perigoso para os investidores?
Kahneman: Aqui também vou voltar ao meu amigo Taleb. Para ele, a globalização tende a trazer um crescimento muito rápido para as instituições, mas também deixar sua situação mais frágil. Ele diz que nós temos um sistema que é naturalmente robusto, mas a consolidação das instituições contribui para sua fragilidade. Acho que é ingênuo não acreditar nisso.
Valor: As medidas dos governos serão capazes de prever futuros problemas de crédito?
Kahneman: Haverá um ambiente regulatório mais restrito nos EUA por causa da crise. Taleb diz que devem ser tomada as devidas precauções para evitar uma crise como esta. Mesmo assim, não será possível evitar os 'cisnes negros', os eventos imprevistos, mas provavelmente se reduzirá a incidência e amplitude. As medidas podem tornar o sistema mais eficiente. O meu palpite é que haverá uma forte onda regulatória nos EUA, mas se isso vai funcionar ou não está totalmente fora da minha expertise.
Valor: Depois dessa crise, as pessoas mudarão a forma como encaram suas finanças?
Kahneman: Aparentemente, houve um efeito de longo prazo depois da Grande Depressão. As pessoas que viveram nessa época são muito mais inseguras quanto ao futuro. O que estamos vendo agora não é tão severo quanto a Grande Depressão. Acho que as pessoas vão pelo menos pensar um pouco mais, pelo menos por um tempo. Elas terão menos confiança no futuro e provavelmente irão poupar um pouco mais, o que é bom. Claro que, no curto prazo, há um paradoxo, pois poupar agora não é bom para a economia.
Valor: O plano de resgate da economia americana mudará a visão sobre a teorias econômicas?
Kahneman: Haverá algumas mudanças nas teorias, principalmente nas que dizem respeito à estabilidade dos mercados, e isso vai influenciar os governos. Nos EUA, hoje, há uma situação interessante, em que as finanças comportamentais têm uma grande influência na administração de Barack Obama. Particularmente, uma das figuras principais nesse campo (Cass Sunstein) será responsável pelas regulações na Casa Branca. Ele não aceita a tese de que as pessoas são racionais ou o mercado é perfeito. A teoria que influencia o governo irá mudar. Ou melhor, já está mudando.
01 junho 2009
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