Ferramenta em discussão
28 ABril 2009
Valor Econômico
Pela teoria econômica, se uma empresa tem um valor patrimonial - os bens que a empresa possui e aparecem no balanço - mais alto que o de mercado, suas ações representam uma oportunidade e tanto de investimento, certo? Não é bem assim. Usar um único indicador de desempenho para basear toda uma estratégia de investimento é perigoso e não traz muito resultado, por melhor que seja esse indicador. A conclusão é de um estudo coordenado pelo professor William Eid Júnior, da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP).
O estudo, patrocinado pela gestora independente Fama Investimentos, buscava analisar a eficiência da relação entre o preço da ação de uma empresa e seu o valor patrimonial (P/VPA), um dos indicadores preferidos usados pelo megainvestidor Warren Buffett, papa do investimento em valor ("value investment"), na hora de escolher um papel. O estudo da FGV buscava verificar a eficiência de um método fácil: olhar um indicador para ver se ele ajudaria na montagem de uma carteira. O estudo começou usando o "book to market", ou o valor de mercado das empresas comparado ao seu valor contábil, ou de livros.
"A conclusão é que não é tão fácil fazer essa avaliação", afirma Eid. "Mesmo um cara como Warren Buffett não se fixa em coisas tão simples, ele fala mais desses índices para consumo externo", diz Eid. Na hora de investir, afirma o professor, as análises devem ser mais profundas do que esses indicadores gerais. "Essa simplificação tem a ver com a onda de investimentos dos últimos anos, em que o mercado só subia e parecia muito fácil investir em ações, mas não é assim, não há uma receita de bolo."
Teoricamente, se uma empresa tem um valor patrimonial mais alto que o de mercado, R$ 100 milhões de patrimônio e todas suas ações representem R$ 10 milhões, por exemplo, isso significaria que ela tem um P/VPA de 0,10, e estaria sendo mal avaliada pelo mercado. Nessa visão, os investidores estariam comprando um patrimônio de R$ 100 milhões por R$ 10 milhões. E essa distorção teria de ser corrigida em algum momento, partindo do princípio que os mercados são racionais. Valeria a pena, portanto, correr atrás dessas companhias.
O contrário, de valores de mercado muito acima dos do valor patrimonial, significa que o mercado olha para elas com bons olhos e, por isso, a relação P/VPA é muito mais alta. No futuro, porém, a tendência seria haver maior concorrência, gente atacando seus mercados e o ganho diminuindo. "Em resumo, empresas malvistas pelo mercado deveriam se recuperar e as bem-vistas devem perder", afirma Eid.
Por esse critério, o mercado brasileiro estaria muito mais barato hoje. Pegando os papéis do Ibovespa, a relação P/VPA das principais ações da bolsa seria de 2,91, bem abaixo dos 4,48 do fim de 2007 e o menor desde os 2,88 de 2004. A ação preferencial (PN, sem voto), séria A da Vale, por exemplo, teria P/VPA de 1,65, menos da metade dos 4,30 de 2007. E Petrobras PN, de 1,86, para 3,41 de 2007, segundo dados do Valor Data.
O problema é que a crise atual bagunçou os parâmetros do mercado, houve fortes quedas de preços em algumas ações e as distorções se acentuaram. E a teoria, que seria aplicada em uma situação normal, foi deixada de lado. "Mas não é tão simples, há muitos fatores que influenciam na valorização da ação", afirma Eid.
No estudo, foram construídas duas carteiras de ações, uma com um valor patrimonial muito acima do de mercado e outra com baixo valor patrimonial. E foi analisado seu desempenho de 2004 a 2008. No total, foram consideradas 639 empresas, das quais 222 apresentam elevado valor patrimonial e 417, baixo. As empresas foram selecionadas também por seus indicadores financeiros, como geração de caixa, endividamento, liquidez, lucro líquido sobre ativos.
A lógica seria que a carteira com menor valor de mercado rendesse mais, mas não foi o que aconteceu. Os retornos foram muito próximos, segundo o levantamento. Ou seja, o indicador não é suficiente para identificar as melhores ações.
Ao mesmo tempo, ações de empresas com os melhores conjuntos de indicadores financeiros tiveram melhor desempenho, independentemente do valor patrimonial. "Isso mostra que é preciso estudar muito bem cada investimento, com várias ferramentas", diz Eid. Entre os fatores que levaram as empresas com baixo P/VPA a ter perdas estava a falta de liquidez dos papéis, que derrubou seus preços.
O único setor onde a relação Preço/Valor Patrimonial pode ser útil é no financeiro, afirma Marco Melo, analista chefe da corretora Ágora. "Por mais que tenham havido ajustes para compensar a hiperinflação dos anos 80 aos 90, os números de patrimônios das empresas ainda carregam grandes distorções", diz. Além disso, os prejuízos em controladas podem distorcer o patrimônio das controladoras, passando ao mercado uma imagem que não é a real. E há empresas que têm baixo valor patrimonial, por definição, pois já amortizaram grande parte de seus ativos, caso das elétricas.
Outro fator que pode distorcer o indicador é o aumento de capital. Melo lembra que, recentemente, durante a bolha das ofertas públicas de ações, muitas empresas "incharam" o patrimônio com captações, que entraram no caixa e davam a impressão que a empresa estava barata no mercado. "Há outras que deixaram de pagar dividendos e juntaram os valores ao patrimônio, coisa que só olhando a relação P/VPA não aparece", diz.
No caso do setor financeiro, os números de patrimônio são mais confiáveis, avalia Melo, uma vez que o setor é rigidamente regulado não só internamente como externamente. "O Acordo da Basileia determina controles muito detalhados da contabilidade das instituições de acordo com critérios internacionais", diz Melo. Além disso, há a fiscalização do Banco Central brasileiro.
Para ele, melhores indicadores são os relativos à geração de caixa projetada, como o lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Lajida). "Até a relação Preço/Lucro (PL) perdeu muito de seu apelo, mas ainda é bastante usada pelo mercado", diz.
02 junho 2009
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