Futebol é canal para lavagem de dinheiro
Folha de São Paulo - 27/6/2009
Estudo realizado por 25 países mostra que o esporte está à mercê da prática
Um dos indicativos de que a modalidade mais popular do mundo está vulnerável, cifras irracionais ajudam a encobrir crime financeiro
ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Documento do Gafi, organismo internacional de combate à lavagem de dinheiro, obtido pela Folha aponta que o status dado pelo futebol, a inexistência de parâmetros para valores de negociação dos jogadores e a imagem criada de que o esporte salva craques e suas famílias da carência social são pontos que favorecem o uso da modalidade como instrumento para a lavagem de dinheiro.
Entre as práticas mais comuns, encabeça a lista o investimento de dinheiro sem origem definida em um time com dificuldades financeiras, exatamente como aconteceu na parceria MSI/Corinthians, atualmente na Justiça. Há o alerta de que a origem do dinheiro pode ser de tráfico de drogas, de armas ou simplesmente destinado a, depois de "esquentado", corromper pessoas que têm destaque político no país -as chamadas PEPs, Pessoas Politicamente Expostas.
A análise da propensão do setor para se prestar à lavagem teve seu documento final aprovado na última quinta, na reunião ordinária do Gafi em Lyon (França). A entidade é presidida pelo brasileiro Gustavo Rodrigues, que também comanda a unidade de inteligência financeira do Brasil, o Coaf.
Não existe uma contabilidade sobre quanto o futebol lava por ano. Mas o documento do Gafi aponta que o seu mercado mundial movimenta 13,8 bilhões anuais, dos quais somente 4,2 bilhões se destinam a salários. Tudo o mais, em tese, pode ser alvo de desvios, pois é dinheiro transacionado a título de regalias para o atleta, indenizações a clubes, pedágio para governos, entre outros itens.
O estudo do uso do esporte como instrumento de lavagem começou em 2008 e teve a participação de 25 países, entre europeus, sul-americanos e asiáticos, além da Austrália.
Razões para o futebol ter sido o foco do trabalho: é o esporte mais popular do mundo, tem 5.000 federações associadas oficialmente, aglomerou um bilhão de espectadores na última Copa e existem 38 milhões de jogadores oficialmente cadastrados. "O estudo é mundial, mas, se você olhar, as tipologias apresentadas refletem muito bem a situação do Brasil", diz Rodrigues.
Colhidas as respostas dos questionários distribuídos, as principais razões apontadas para a vulnerabilidade do setor à lavagem de dinheiro são:
1) Mercado de fácil penetração, porque qualquer um pode se tornar um agente;
2) Diversidade de regulamentação entre os países, o que permite ao interessado escolher o que melhor lhe oferece condições para oficializar os ganhos de uma negociação;
3) Irracionalidade das somas envolvidas, que não obedecem a qualquer critério, o que viabiliza conduzir negociações totalmente fora de valores plausíveis e, ainda assim, não dispor de padrões legais para questioná-las eventualmente;
4) O papel social do futebol, já que, em regra, promover a ascensão social de um craque e de sua família traz benefícios e é orgulho para a comunidade.
"O apelo social é muito importante, mas as autoridades devem estar atentas para que isso não mascare um crime grave, como a lavagem de dinheiro", afirma Bernardo Mota, do Coaf, que há dez anos acompanha essa discussão.
Complexo, o documento descreve, sem dar nomes, 17 casos por meio dos quais a prática da lavagem pode se materializar. Começa pelo investimento em atletas de um país de fundos estrangeiros instalados em paraísos fiscais.
Outra tipologia bastante explorada é a figura do atravessador, comum no Brasil. O fato de as cifras envolvidas não terem parâmetro e o negócio poder ser fechado em qualquer lugar do mundo facilitam a lavagem.
Na página 20, de um total de 39, o documento é categórico em afirmar: "Estimar o valor de uma transação para um jogador é um trabalho inócuo, pelo fato de que largas somas estão envolvidas, geralmente acompanhadas de uma transação para o exterior, o que torna difícil aferir a destinação final dos recursos. A supervalorização do jogador pode corresponder à técnica de lavagem de dinheiro similar, no caso do comércio, ao oferecimento desmedido de benefícios."
Também há destaque para times endividados que assumem a figura de atravessador e colocam a sua taxa de sucesso a ser ganha no negócio como pagamento de dívidas. O dinheiro que entra para tirar a agremiação do vermelho é de uma terceira negociação, que só precisava de uma oportunidade para esquentar quantias obtidas de forma ilícita e que circulavam na rede internacional.
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