“Atualmente a melhor evidencia que temos da introdução dos números abstratos de contagem (1,2,3 e assim por diante) no lugar das marcações foi descoberta pela arqueóloga da Universidade do Texas Denise Schmandt-Besserat, nas décadas de 1970 e 80. Naquela época, Schmandt-Besserat [foto] estava investigando sítios arqueológicos no Oriente Médio, onde floresceu a avançada sociedade suméria por volta de 3300 a 2000 a.C.
Onde quer que Schmandt-Besserat escavasse, encontrava pequenas peças de argila de diferentes formatos, incluindo esferas, discos, cones, tetraedros, ovóides, cilindros, triângulos e retângulos. As mais antigas eram mais simples, as mais recentes, frequentemente um tanto intricadas. A principio ela ficou intrigada com os achados. Mas aos poucos, à medida que ela e outros arqueólogos lentamente reuniam informações e obtinham um quadro coerente da civilização suméria, ficou claro que esses artefatos eram usados no comércio como unidades concretas de contagem. Cada formato representava certo número ou quantidade de um item: um metal, uma jarra de óleo, um pão, um boi, uma ovelha, uma jóia e assim por diante.
Até onde sabemos, essa é a mais antiga forma de contagem (e de contabilidade) organizada. Observe que ainda não havia números abstratos. Como os artefatos de argila eram usados para contar, podemos considerá-los uma espécie bastante concreta de “número”. Assim, eles constituíram o primeiro passo em direção aos números abstratos que usamos atualmente.
Um homem de negócios ou um comerciante sumério manteria todos os seus artefatos em um mesmo local como um registro de seus bens financeiros. Em geral, ele colocaria sua pilha de artefatos sobre uma folha de argila úmida, que ele dobraria, formando uma bolsa que em seguida seria selada. Esse método era certamente seguro. Uma vez que a argila secasse, não haveria perigo de perder o registro de seus bens. O problema óbvio surgia na hora do comércio. O sumério tinha que quebrar a bolsa para atualizar seus registros adicionando ou removendo artefatos. Pior ainda, tinha que quebrá-la sempre que quisesse simplesmente verificar seu saldo.
Para contornar a frustração de ter constantemente que quebrar a bolsa e fazer uma nova, os sumérios mais empreendedores adotaram o hábito de pressionar a peça de argila na superfície de argila úmida antes de selá-la, formando a bolsa. Deste modo, deixavam um registro na superfície externa da bolsa, dentro da qual estavam lacrados os artefatos. Isso significava que os sumérios não tinham mais que abrir a bolsa apenas para verificar o saldo. Tudo que precisavam fazer era examinar as marcações do lado de fora.
E as coisas permaneceram assim (nós supomos) até que um sumério particularmente astuto percebeu que podia fazer mais uma simplificação. Do jeito que as coisas estavam, as peças dentro da bolsa representavam certa quantidade de bens. Por outro lado, essas peças eram representadas por marcações na bolsa causadas pelos próprios artefatos, pressionados na argila úmida antes que esta endurecesse. Mas isso significava que você não precisava dos artefatos em si! A informação crucial estava nas marcações do lado de fora da bolsa. Você poderia passar muito bem sem nenhum artefato e se basear simplesmente nas marcas na argila. Então, é claro que a argila não precisaria mais ser moldada como uma bolsa fechada. Poderia ser deixada na forma de uma folha plana (...)”
DEVLIN, Keith. O instinto matemático. Rio de Janeiro: Record, 2005, p 204-2006
Observe um aspecto importante: a contabilidade surgiu sem a necessidade da existência dos números!
Para ler sobre Schmandt-Besserat aqui
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