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11 maio 2009

Auditoria das empresas de auditorias

Grandes auditorias começam a provar do seu próprio remédio
Valor Econômico - 11/5/2009

A Deloitte, uma das quatro grandes firmas de contabilidade do mundo, contratou na semana passada a Nexia Villas Rodil, uma firma de pequeno porte de São Paulo, para fazer a auditoria de seu balanço de 2008. Será a primeira vez que essas empresas passarão pelo mesmo processo no qual são especializadas, a auditoria de balanços financeiros.

A exigência veio na nova lei contábil, de 2008, que obriga "sociedades de grande porte" a elaborar demonstrações financeiras, que devem ser checadas por um auditor registrado na Comissão de Valores Mobiliários (CVM)

Beneficiadas pela nova legislação, que trouxe para o seu mercado mais companhias de capital fechado, as chamadas "big four" - Deloitte, KPMG, PwC e Ernst & Young - tiveram que lidar com um efeito colateral: elas também se encaixam nos parâmetros de ativo total superior a R$ 240 milhões ou receita bruta anual acima de R$ 300 milhões.

A Deloitte é a primeira das grandes a definir seu auditor. As outras três, ouvidas pelo Valor, afirmaram que ainda estão em processo de escolha.

Além da questão da qualidade, Alcides Hellmeister Filho, presidente do conselho da Deloitte, diz que a grande preocupação foi com a "questão mercadológica". "Não poderíamos deixar que um concorrente direto tivesse acesso a nossas estratégias, estruturas e áreas de foco", diz.

O mesmo vale para seu principal rival no mundo, a PricewaterhouseCoopers. "Estamos olhando propostas", diz Henrique Luz, sócio da PwC. Ele afirma, no entanto, que o vencedor seguramente não será uma das grandes. "Vamos procurar uma empresa que não seja uma concorrente tão direta."

As quatro grandes travam uma competição acirrada, não só pela auditoria de balanços de companhias abertas, mas também por serviços de consultoria variados, como tributários e de reestruturação. Juntas, elas auditam quase 60% das companhias com ações em bolsa no Brasil. BDO Trevisan e Terco Grant Thornton, respectivamente quinta e sexta no ranking elaborado da CVM, têm 16%. O restante é o mercado que sobra para as outras 341 firmas de auditoria registradas na autarquia. A Nexia Villas Rodil, por exemplo, não tinha nenhuma empresa aberta na sua carteira no fim de setembro, último dado disponível.

Trazer um concorrente para dentro de casa não é uma decisão fácil. As firmas chegaram a olhar possíveis brechas na lei para evitar a saia justa. "Nosso entendimento é que não estamos obrigados a fazer as demonstrações financeiras", diz Luiz Frazão, presidente da Ernst & Young. "Mas decidimos fazer mesmo assim."

O que poderia excluir as auditorias, segundo ele, é uma frase que define sociedade de grande porte. Além dos limites de ativo e receita bruta, a lei diz que tem que haver "controle comum". Em geral, as firmas de auditorias são compostas por empresas separadas, com vários sócios. Por isso, não haveria um controlador.

Frazão admite que essa interpretação é formal e poderia ser contestada na Justiça . "Hoje a essência econômica já é um fator decisivo em muitos julgamentos", afirma.

Na essência, as quatro podem ser entendidas como uma entidade única, abrigadas sob um guarda-chuva global. Sem contar que pareceria um contra-senso que os auditores, um símbolo da prestação de contas, se recusassem a colocar seus números a prova.

A KPMG também andou avaliando o assunto, mas ainda não bateu o martelo. Por sua estrutura societária, segundo Charles Krieck, líder da área de auditoria, a firma escapa da exigência. "No entanto, considerando a importância que damos a esse tipo de transparência, estamos analisando a possibilidade de ter uma auditoria", diz Krieck.

Mas todo essa movimentação não quer dizer que os números secretos das "big four" serão revelados nos próximos meses. Como a obrigatoriedade de divulgação foi extirpada da versão final do texto da 11.638, vai depender de cada empresa manter vivo o espírito da lei, que era trazer à luz dados de entidades que, pelo seu peso na economia, deveriam prestar contas à sociedade.

"Nossa ideia é divulgar", afirma Hellmeister, da Deloitte. "Mas os nossos concorrentes têm que fazer o mesmo", completa. Se depender da E&Y, a questão já está resolvida: "Não pensamos em divulgar". É provável que o assunto fique só entre auditores.

Um comentário:

  1. A afirmação do presidente do conselho da Deloitte me soa estranha. Ao dizer que "não poderíamos deixar que um concorrente direto tivesse acesso a nossas estratégias, estruturas e áreas de foco", o dirigente parece estar admitindo que se sua empresa tivesse acesso a tais informações auditando uma de suas concorrentes as utilizaria em seu negócio, o que a meu ver seria uma grave falta ética.

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