Fiscal dos números
27 Abril 2009 - Valor Econômico
Fiscalização dá resultado. A instalação e atividade de um conselho fiscal em companhias abertas contribui diretamente para que os balanços sejam de melhor qualidade. Isso é o que aponta o primeiro estudo sobre a efetividade desse órgão no mercado brasileiro, realizado no departamento de contabilidade da Universidade de São Paulo (USP).
O conselho fiscal é um órgão instalado, geralmente a pedido de acionistas minoritários, justamente para acompanhar os balancetes da empresa e a atividade dos administradores. O levantamento apontou que a presença desse colegiado diminui a manipulação de dados pelos executivos, ainda que dentro das regras contábeis. Portanto, a existência do órgão tende a oferecer maior fidelidade do balanço como retrato da realidade econômica da companhia, seja ela boa ou ruim.
Nos últimos tempos, não faltaram escândalos sobre fraudes contábeis ou sobre a qualidade dos balanços das empresas e o grau de transparência. Não por acaso, cresceram as discussões sobre como fiscalizar os administradores, na tentativa de dar maior consistência e credibilidade aos resultados.
Faz parte dessa cruzada, por exemplo, a determinação da lei americana Sarbanes-Oxley, de julho de 2002, de instalação de um comitê de auditoria nas companhias - órgão que no Brasil pode ser comparado ao conselho fiscal. As empresas com ações listadas na bolsa de Nova York (Nyse) conseguiram, por conta disso, o direito de substituir o comitê exigido pelo órgão já previsto na legislação brasileira.
No mercado brasileiro, embora previsto na Lei das Sociedades por Ações, o assunto ainda é polêmico e há resistência nas companhias. Caso já considerado clássico para ilustrar essa dificuldade é o da fabricante de cigarros Souza Cruz. Somente na assembleia de 2009, após três anos de tentativa, a Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, conseguiu instalar e eleger um membro no conselho fiscal da empresa.
Apesar do debate existente no mercado, até então, não havia estudo acadêmico que buscasse determinar a eficácia dos trabalhos desse colegiado. Adriana Garcia Trapp decidiu verificar o assunto em tese de doutorado na USP. Para isso, estudou os resultados de 216 companhias, de 2002 a 2007. A pesquisa foi orientada pelo professor Alexsandro Broedel, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, Contábeis, Atuariais e Financeiras da USP (Fipecafi).
O resultado surpreendeu os especialistas. "Chamou nossa atenção. Vimos que o conselho fiscal tem um efeito econômico", destacou Adriana. Para ela, a melhora na qualidade dos números é produto da consciência, no momento da produção do balanço, de que um terceiro órgão fiscalizará os dados.
Broedel enfatizou que outra conclusão da pesquisa interessante é o fato de a qualidade das demonstrações financeiras ser ainda melhor quando o conselho fiscal conta com a presença de um especialista em contabilidade. Em ritmo de escalada, o cenário fica mais positivo quando a empresa possui estrutura de governança instalada, como controle de risco e mecanismos adicionais de transparência.
A pesquisa também é retrato da evolução da discussão sobre conselho fiscal e, ao mesmo tempo, do uso ainda reduzido do órgão.
Da base de 216 empresas analisadas, apenas 4, ou seja, aproximadamente 2%, tiveram o órgão instalado nos seis anos estudados. No entanto, quando se considera cinco anos, o número salta para 106, ou cerca de 49% da base total. "Essa discussão [instalação do conselho fiscal] ficou muito presente no país a partir de 2003", diz Adriana.
Ainda assim, 56 companhias, ou 26% do total, não apresentaram a atividade desse colegiado em nenhum dos anos.
Como a legislação não obriga a presença de um especialista em contabilidade na formação do conselho - que deve ser de no mínimo três e no máximo cinco membros - ela só foi constatada no estudo em 21% dos conselhos em cinco anos analisados. Apenas uma companhia possuía este profissional em todas as formações, ao longo de todo o período.
Adriana e Broedel, para estudar a eficiência da fiscalização do colegiado, tiveram que avaliar o nível de "gerenciamento de resultados" das companhias pesquisadas. Esse conceito, na literatura acadêmica, significa um ato intencional do administrador da empresa para alterar os valores do balanço como forma de obter algum tipo de benefício. Contudo, sem incorrer em fraude. "É importante deixar claro que esse conceito não significa fraude", enfatizou Broedel.
Assim, quando o tema é a qualidade do balanço, a ideia é que o resultado seja o mais próximo possível do fluxo de caixa da empresa. Ou seja, que reflita da maneira fiel o dinheiro que entra na companhia e o que fica, após os custos e o pagamento dos compromissos.
A manipulação dos números pode ser feita por meio da escolha de critérios contábeis. Algumas possibilidades de se fazer isso estão, por exemplo, na avaliação da vida útil de máquinas e equipamentos de forma a alterar a depreciação, na decisão sobre o volume de provisões, na análise de risco de derivativos, entre outros.
Entre os objetivos mais comuns da interferência nos números pelos administradores estão motivações por plano de incentivo de remuneração, controle do endividamento, influência no desempenho das ações no mercado etc.
E o que o resultado da pesquisa de Adriana e Broedel apontou é que essa interferência dos executivos sobre o balanço tende a ser menor nas companhias com conselho fiscal instalado. Para medir essa manipulação, foram utilizadas métricas complexas já existentes na literatura acadêmica. Internacionalmente, diversas pesquisas já relacionaram o comitê de auditoria com boas práticas de governança e gerenciamento de resultados.
Para Broedel, o estudo torna-se ainda mais pertinente devido ao momento que o Brasil atravessa, de convergência do padrão contábil nacional para o internacional, conhecido pela sigla em inglês IFRS. O processo de harmonização das regras começou em 2008 e será concluído até 2010.
Especialista em contabilidade, Broedel lembra que o padrão internacional possui muito mais subjetividade do que as regras nacionais até então praticadas no país. A contabilidade será regida por princípios gerais e não mais por regras rígidas, específicas. Logo, a busca por mecanismos de melhora na qualidade e que minimizem a gerência da administração sobre os números é ainda mais importante. "Os balanços terão que refletir melhor a realidade econômica das empresas."
No Brasil, contudo, como a atuação permanente do conselho fiscal não é obrigatória, muitas companhias ainda não possuem um órgão ativo. Levantamento relatado pelo Valor em 2008 mostrava que, no fim da temporada de assembleias gerais, apenas um terço das empresas listadas no Novo Mercado contavam com um conselho fiscal instalado.
Há expectativa de que o aumento do ativismo dos minoritários possa ampliar a instalação desse colegiado. Desde 2007, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) vem emitindo entendimentos que facilitam a solicitação de instalação desse órgão pelos minoritários. A autarquia deixou claro, por exemplo, que não é preciso que um grupo de investidores que tenham 10% das ações ordinárias (ON, com direito a voto) peça a formação do conselho. A solicitação pode ser feita por investidor com menos do que isso, desde que, no mínimo, 10% das ações ON da companhia estejam em circulação no mercado.
27 abril 2009
Conselho Fiscal
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O texto exalta a importância do conselho fiscal atuando na empresa e demonstra seus benefícios econômicos. Não poderia ser diferente: a fiscalização das evidenciações contábeis minimiza a manipulação de resultado conferindo confiabilidade ao trabalho contábil e – assim como os diversos mecanismos que visam atender a esse princípio – tem efeitos econômicos.
ResponderExcluirPorém, ‘manipulação’ não pode se confundir com ‘gerenciamento’; são termos que caracterizam práticas distintas: manipulação é o ato de alterar indevidamente o trabalho contábil; o gerenciamento não é ilícito, como o próprio texto pronuncia, e não deve ser considerado imoral ou prejudicial, mas positivo e necessário. Em outra passagem o autor expõe que o comitê de auditoria e as boas práticas de governança e gerenciamento de resultado guardam certa relação; dois parágrafos depois usa gerenciamento como sinônimo de falta de transparência. Nesse parágrafo, lembra que os padrões internacionais de contabilidade possuem ampla subjetividade; ora, se possuem subjetividade, elas preveem – com anuência – que é possível gerenciar a evidenciação de modo a atender seus interesses. Não é necessário dizer que, neste processo, é obrigatório o atendimento aos princípios contábeis, entre os quais se aplica especialmente o princípio da confiabilidade. Se não contraditório, é, no mínimo, confuso: beneficiar-se (lê-se prejudicar outrem - minoritários) através da alteração dos valores não pode ser considerado gerenciamento, e se pudesse, não divergiria do conceito de fraude.
Podemos observar duas posições interessantes neste artigo, por um lado a confiabilidade e conservadorismo das demonstrações são otimizados, de outro, de outro as capacidades criativa do gestor de administrar os resultados, dentro da legalidade, é tolhida.
ResponderExcluirLeonardo Lima Esteves 08/49626
O texto tráz de uma maneira interessante uma abordagem sintética, porém bem explicada, de um tema bastante recorrente dentro da contabilidade financeira - o conselho fiscal. O autor consegue passar conceitos importantes dessa ferramenta de controle, muito utilizada pelos acionistas minoritarios, bem como trazer uma visão da nova tendencia de hoje em dia, que é do aumento desses conselhos em empresas de capital aberto.
ResponderExcluirO texto exalta a eficácia de um "instrumento" relativamente novo para implantação e manutenção das boas práticas de Governança Corporativa, hoje bem parametrizadas: a criação de um conselho fiscal. É interessante notar que mesmo com o esclarecimento do especialista sobre a licitude do "gerenciamento de resultado", o texto afirma que essas práticas são reduzidas frente a presença de um Conselho Fiscal,esse fato pode evidenciar uma discordância entre esse tipo de prática (gerenciamento), mesmo que legal, e os "parâmetros" vigentes de Governança.
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