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09 março 2009

IFRS no Brasil 5

Mudança atinge setor de construção em cheio
Valor Econômico - 9/3/2009

A expectativa é grande. Dos analistas, dos investidores, dos concorrentes. A safra de balanços do setor de construção civil - o mais afetado pelas novas regras contábeis - nunca foi tão esperada como agora. Pelo que já mostrou o único balanço divulgado até o momento, da Camargo Correa Desenvolvimento Imobiliário (CCDI), e pela previsão dos analistas e das próprias incorporadoras, deve haver uma mudança significativa nos demonstrativos financeiros do quarto trimestre e, consequentemente, do ano de 2008. A projeção é de redução de receita, de margem, do resultado operacional e da última linha do balanço.

As mudanças mobilizaram o setor, que vem se reunindo há pelo menos três meses. A preocupação é grande, sobretudo em um momento de queda das vendas. O maior temor é que as alterações contábeis sejam interpretadas como consequência da crise. Para divulgar balanços "homogêneos" que permitam que os analistas usem os parâmetros antigos para avaliar os balanços - as grandes construtoras de capital aberto fizeram um acordo. Irão publicar os resultados pelas normas antigas e pelas novas, ambos comparáveis com os períodos anteriores.

Analistas consultados pelo Valor disseram que irão avaliar os números pelas regras antiga, até porque as projeções que fizeram contemplam ao modelo anterior de balanço. Só depois que forem divulgados todos os relatórios é que os analistas devem começar a fazer as suas avaliações pelas novas regras. Isso porque ainda há muitas dúvidas, inclusive das próprias incorporadoras.

A principal e mais discutida questão - e justamente a que vai mais impactar os resultados - é o ajuste a valor presente das contas a pagar e a receber. O efeito desse tipo de cálculo no setor de construção é expressivo porque o ciclo é longo e as vendas são feitas a prazo. Sem saber exatamente que taxa usar ou que fórmula usar, as incorporadoras começaram a se reunir no final do ano passado.

Depois de mais de dez encontros, inúmeros telefonemas e e-mails trocados entre as áreas de controladoria das empresas, há cerca de quinze dias, as empresas definiram uma fórmula comum. Em linhas gerais, ficou definido que a metodologia usada será a taxa média de captação do financiamento à produção - que pode variar de TR mais 11% a TR mais 13%, descontado a inflação, medida pelo IPCA. As empresas escolheram o IPCA no lugar do INCC (Índice Nacional da Construção Civil) porque não há previsão futura do índice. Os apartamentos já entregues não serão ajustados a valor presente. "Ficou acertado assim, porque os juros já estão definidos", explica Eduardo Cytrynowicz, diretor de finanças corporativas da Even. Depois da entrega das chaves, os juros contratuais são de IGPM mais 12% ao ano.

No caso da CCDI , por exemplo, as novas regras contábeis tiraram R$ 44,9 milhões do lucro anual da empresa, de R$ 96,7 milhões para R$ 51,7 milhões. No quarto trimestre, a empresa teve prejuízo líquido de R$ 8 milhões e, pelas regras anteriores, teria apresentado lucro de R$ 1,6 milhão. No trimestre, o impacto é maior porque os ajustes do ano todo recaem sobre os três últimos meses. "É preciso analisar os números com cuidado", afirma Zeca Grabowsky, presidente da PDG Realty. "Os resultados do quarto trimestre serão afetados, mas não podem ser projetados para os próximos trimestres", acrescenta. Os executivos também frisam que as mudanças são contábeis e o desempenho operacional não muda.

Ainda que as empresas estejam procurando uma forma de se alinhar, a avaliação do setor e de analistas sobre as alterações é muito positiva. "Muitos investidores estrangeiros não gostam do setor imobiliário no Brasil porque os balanços são muito diferentes. No México é muito mais uniforme", diz um analista que acompanha o segmento. Para o diretor da Even, o mais positivo é que os balanços passam a ser comparáveis. "Havia alguma variações e interpretações importantes", acrescenta. "O balanço deixa de ser estático", avalia Leonardo Correa, diretor de relações com investidores da MRV.

Além do impacto do ajuste a valor presente, as incorporadoras têm ainda uma mudança contábil específica: as empresas passam a ter que descontar, de uma só vez, despesas comerciais e de vendas - como gastos com estande, propaganda e apartamentos decorados - que antes eram contabilizadas conforme o andamento da obra.

No Brasil, os balanços do setor acompanham o desenvolvimento das obras, modelos mais conhecido pela sigla em inglês POC, que significa percentual de conclusão. "O POC é bom no sentido de dar uma indicação de resultado. Não é preciso esperar o final do ciclo para saber se a empresa ganhou ou perdeu dinheiro", diz Correa, da MRV. A empresa definiu que, além de divulgar o balanço pelas novas regras, também continuará usando a metodologia antiga, pelo chamado POC.

Na avaliação de Henrique Campos, auditor diretor da BDO Trevisan, as mudanças para o setor devem ser ainda maiores a partir de 2010, quando o Brasil alcançar a convergência plena com o padrão internacional IFRS. Ele explica que, no padrão internacional, o negócio da incorporadora é entendido como uma atividade mercantil comum. Logo, as companhias irão contabilizar as receitas conforme a transferência do imóvel para o novo proprietário, o que caracterizará a venda efetiva do bem. Esse regime é conhecido pela expressão "chave na mão". Os especialistas têm até mesmo dificuldade de estimar os impactos sobre os resultados, uma vez que será uma grande mudança de conceito. (Colaborou Graziella Valenti)


Em outros países que adotaram a IFRS, o setor de construção civil foi um dos que apresentaram maiores diferenças. Atenção para este setor.

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