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26 fevereiro 2009

Imparidade e Balanço da Vale

Investimentos
Empresas enfrentam teste de valor
25/2/2009
Valor Econômico

A decisão da Vale do Rio Doce de fazer uma baixa de R$ 2,4 bilhões no balanço do ano passado, em função da perda de valor da Inco, empresa que adquiriu em 2006, deixa claro o ano crítico em que as empresas brasileiras enfrentarão, pela primeira vez, uma das principais regras da nova legislação contábil. Outras baixas desse tipo, em maior ou menor proporção, poderão aparecer nos resultados desta safra. No caso da mineradora, o ajuste foi de cerca de 11% do lucro anual, que ficou em R$ 21,3 bilhões segundo as novas regras.

Na prática, a mensagem do que a Vale fez é que esse investimento na Inco gerará uma riqueza menor do que a companhia esperava no momento em que fez a compra, quando pagou pouco menos de US$ 18 bilhões pelo negócio.

A partir do balanço anual referente ao ano passado, todas as empresas abertas e fechadas de grande porte terão que fazer a análise que a mineradora fez e que a levou a esse ajuste, anunciado na quinta-feira à noite, junto com os dados do quarto trimestre e o acumulado de 2008. É o chamado teste de recuperabilidade ou "impairment".

Essa avaliação verifica se os bens registrados na contabilidade trarão para a empresa riqueza compatível com o valor descrito no balanço. "É um belo ano para estrear essa regra", comentou Ernesto Rubens Gelbcke, sócio da Directa Auditores e vice-coordenador técnico do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC). [ISTO É UMA IRONIA?]

E como a mineradora, diversas outras companhias que fizeram aquisições terão de rever suas análises. Especialmente, as avaliações das compras feitas durante a euforia e abundância de liquidez no mercado global, nos últimos anos, quando as projeções eram as mais positivas possíveis e a exuberância parecia não ter fim.

Os auditores não gostam de admitir oficialmente, mas se dizem "curiosos" para ver o resultado da aplicação da regra sobre o balanço de 2008, cujo fechamento foi feito com a crise plenamente instalada.

A mudança do cenário econômico, com a crise financeira internacional, pode indicar que ganhos previstos com alguns ativos não irão mais ocorrer na mesma proporção ou no mesmo tempo esperado. O julgamento sobre a necessidade ou não da baixa ficará a cargo da companhia e de seus auditores.

Como era previsível, para aplacar o ânimo dos investidores, as empresas tenderão a, assim como fez a Vale na apresentação de seus resultados, alegar que se trata de um registro "contábil", que não afeta seu caixa. Essa é a reação esperada dos executivos, em tempos de crise e balanços no vermelho: dizer que se trata de um ajuste "contábil", algo que nada teria a ver com a vida real.

De fato, um ajuste desse tipo não retira dinheiro da empresa instantaneamente. Mas significa que a expectativa do momento é que esse dinheiro não entrará nos cofres da companhia no futuro, no prazo esperado na hora do investimento - nem com a operação, nem com a venda do bem.

Segundo André Ferreira, sócio da firma de auditoria Terco Grant Thornton, a baixa deve ser feita quando o ativo não for capaz de trazer a mesma rentabilidade ou quando o prazo necessário para o retorno do capital for ampliado.

O fato é que há uma dificuldade de se entender que os balanços não são feitos para anotar simplesmente entradas e saídas de caixa. Há algo sagrado para os contadores que alicerça as demonstrações financeiras, que o chamado "regime de competência", que se contrapõe ao "regime de caixa".

Um dos princípios básicos da contabilidade, a competência manda registrar os eventos quando eles ocorrem, o que pode não coincidir com a entrada ou saída de dinheiro - vendas e compras a prazo é o exemplo mais corriqueiro. Portanto, se o bem não vale mais o que está escrito, a ordem é ajustar.

A baixa, de fato, não tira dinheiro da companhia no presente. Porém, pode significar perda imediata de valor para o investidor, já que o preço de uma ação nada mais é do que a projeção dos lucros futuros do negócio, calculados ao valor presente.

Testar se os ativos já não valem o que está registrado não é uma prática nova. A provisão para crédito de liquidação duvidosa é um exemplo clássico. As empresas já fazem isso com estoques e em casos de perdas de investimentos societários.

A diferença é que se restringia a um pequena parte dos bens das companhias vale agora para tudo: máquinas, marcas e, o que costuma dar o que falar, o ágio pago em aquisições.

Quando a Time Warner registrou o que foi chamado de maior prejuízo empresarial da história americana a culpa foi do teste de imparidade (a tradução direta do "impairment" inglês). Depois do estouro da bolha da internet, não havia mais paridade entre o que estava no ativo e a expectativa de geração de fluxo de caixa daquele ativo. O resultado: uma baixa de US$ 54 bilhões.

O balanço de 2008 está repleto de desafios e esse é um deles. A estreia da regra do teste de recuperabilidade chega em meio ao que os especialistas estão tratando como a pior crise desde o "crash" de 1929. Gelbcke, da Directa Auditores e do CPC, enfatiza, porém, que é preciso ter cuidado para não exagerar e não se deixar impressionar pelas reações do mercado. "Senão, tudo seria baixado a zero neste momento."

Fábio Cajazeira, sócio da PricewaterhouseCoopers (PwC), destaca que há ainda elementos como a inexperiência das companhias com o tema e a complexidade envolvida no teste em si. E lembra que a decisão da baixa não precisa ser imutável. Quando se tratar de um bem tangível, a empresa pode reverter o ajuste no futuro, caso o cenário forneça elementos suficientes para isso.

Já Ana Cristina França, sócia da Apsis Consultoria Empresarial, acredita que excesso de pessimismo não é uma grande preocupação. Isso porque, na opinião dela, a tendência é que, ao contrário, as companhias tendam a ser mais otimistas, para evitar baixas expressivas. Na opinião da especialista, o melhor a fazer num cenário em que a companhia suspeita da necessidade de ajuste é contratar a avaliação de um terceiro, no lugar de fazer o estudo internamente.

Entre os ativos sujeitos a sofrer baixas, um dos alvos mais prováveis é o ágio. De forma resumida, ele é a diferença entre o preço pago numa aquisição e o valor de mercado do bem ou da companhia comprado. A referência para a taxa de mercado é, em muitos casos, o custo de reposição dos ativos.

O ágio é proveniente da expectativa de rentabilidade futura que o bem trará à empresa que fez o investimento. O ágio é registrado no balanço como um ativo intangível, pois a existência real de seu valor se confirmará com o passar do tempo. Daí o fato de ser o ativo mais sensível ao teste de recuperabilidade.

Foi exatamente sobre o ágio da Inco que a Vale fez o ajuste. Em dezembro, a companhia tinha R$ 5,9 bilhões contabilizados. Mas a avaliação de ativos operacionais de níquel, segundo a mineradora, mostrou valor inferior ao do registro, o que produziu a baixa de R$ 2,4 bilhões.

Ana Cristina, da Apsis, destaca que as baixas de ágio não podem ser revertidas mais á frente, mesmo que o cenário se modifique - isso só pode ocorrer em eventuais ajustes sobre ativos tangíveis.

Vale destacar que o ágio gera benefícios fiscais às empresas, que podem utilizar até 34% de seu valor para abater do imposto sobre o resultado, durante um intervalo de no mínimo cinco anos e no máximo dez. As baixas causadas pelo teste de recuperabilidade não afetam o ganho fiscal da companhia.

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