UMA CONVERSA que ficou bem desmoralizada nesta crise foi a da "governança corporativa". A conversa fiada é velha, assim como a da racionalidade do mercado, na qual até o bom economista-padrão não acredita mais faz duas décadas, embora não fale muito sobre o assunto quando discute política e esparge ideologia mercadista.
(...) A "governança" chegaria depois ao Brasil. Mesmo com seu alto teor de conversa fiada, a difusão da idéia e até de alguma exigência prática de "governança" foi um avanço nesta selva. Desde 2003, a Bovespa fez o bom trabalho de exigir mínimos de publicidade, de controle das diretorias e de respeito a acionistas. A Bolsa até começou a tomar jeito de mercado de capitais. Houve propaganda marqueteira vulgar, sim, na onda de IPOs e de commodities que inflou o Ibovespa. Mas era alguma coisa.
Porém a crise revelou o quanto (muito) havia de impostura na "governança" brazuka também. O prejuízo cambial, o bafafá e a obscuridade dos casos Aracruz, Votorantim e Sadia, para ficar nos mais evidentes, são o escárnio da transparência.
Mostram ainda a inércia da CVM, que ao ritmo de cágado exige normas mais decentes de prestação de contas. Aliás, para a CVM o mercado brasileiro é mais limpinho que o dos EUA, onde financistas muita vez e outra são algemados -por aqui, isso não rola. Enfim, a bola passou sob as pernas do Banco Central, que não viu bancos armando a porcaria dos derivativos. Não tinham como fiscalizar? Sorry, para quem quer tanta autonomia, a desculpa não cola.
Agora há bancos estatais a auxiliar empresas. Pode ser útil. Ou não. Estatais não prestam contas da qualidade e do custo de seus créditos até que virem rombos, ao menos nos diz a história. Há muito subsídio e chororô por aí. Múltis que nadavam em lucros pedem socorro. Há o risco de empresas do cassino do câmbio taparem rombos com verba subsidiada. Há o estranho caso da Petrobras com a Caixa. Foi recriado o caldo de cultura em que a bactéria da desgovernança privada pode proliferar no dinheiro açucarado do governo.
Empresas desgovernadas - Vinicius Torres Freira - 28/11/2008 - Folha de São Paulo
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