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03 novembro 2008

Derivativo e Crise


Graças a sua exposição os exportadores têm de operar proteção cambial, mas sem especular A atual crise de liquidez enfrentada pelos mercados financeiros mundiais trouxe à tona, como um de seus desdobramentos, o debate sobre as condições de segurança dos instrumentos financeiros. Dentro desta ótica, abordaremos os contratos de derivativos usados no segmento de balcão. A característica fundamental que difere um contrato de balcão de um equivalente negociado em mercado de apregoação seria a pessoalidade e individualidade do balcão comparativamente ao pregão. Melhor explicando, nos contratos de balcão as partes que transacionam se conhecem e negociam cada operação, detalhe por detalhe. No caso de pregão, comprador e vendedor negociam com quem se apresente, e para tanto elegem uma empresa ligada à Bolsa (contraparte central) para assumir o risco de vendedores e compradores.

Por ser um contrato previamente definido em termos de condições, valores unitários e obrigações entre as partes, na Bolsa só resta aos envolvidos negociar entre si preço e número de contratos unitários. No Brasil, os segmentos de balcão estão organizados há décadas por meio de um conjunto de entidades, regulamentos, recomendações e sistemas de suporte. Diferentemente do mercado internacional, o registro das operações, seja com instrumentos derivativos ou mesmo títulos, é obrigatório para instituições financeiras e fundos de investimento e de previdência. Já dispomos de infra-estrutura operacional sofisticada, que assegura a completa transparência e aderência dos negócios bilaterais à vontade das partes e às boas práticas e ética operacional dos mercados onde se inserem. Outra dimensão do tópico segurança é o risco.

Na sua melhor definição, risco é a possibilidade de não recebermos o que esperávamos. Assim, se obtemos em um negócio um prêmio equivalente a uma expectativa de perda e, ao fim, deixamos de receber o que esperávamos perder, não podemos falar em risco. Neste caso, o valor do prêmio equivale ao que de fato perdemos - ficou um pelo outro. Risco, portanto, independe do nível de perda esperada no negócio; relaciona-se, isto sim, a perdas que não antecipávamos e, portanto, não nos precavemos ou cobramos por elas. Como se trata de operações realizadas entre duas partes que mutuamente se avaliam no que diz respeito a crédito e salvaguardas que entendem adequadas à situação específica, no balcão os mecanismos de margens, aporte de garantias e mesmo eventos de liquidação antecipada são ajustados contrato a contrato.

Como se vê, para que o mercado de balcão fosse considerado arriscado, comparativamente às alternativas existentes, precisaríamos assumir que os participantes de determinado contrato falharam na sua missão de negociar adequadamente - o que, posso afirmar, não é o caso. Se é assim, por que esta súbita elevação do câmbio trouxe tanta agitação e desconforto aos envolvidos, levando ao clamor de alguns pela limitação na utilização de derivativos por empresas, especialmente as exportadoras, e até mesmo à adjetivação de "tóxico" para os mais exóticos desses instrumentos? Arrisco um diagnóstico.

Mercados de derivativos realocam riscos dentro da economia. Portanto, exportadores são naturais vendedores de proteção contra a alta de moedas estrangeiras, dada sua exposição financeira a perdas em caso de apreciação da moeda nacional, como bem acompanhamos ao longo dos últimos cinco anos. Como costuma acontecer, a "toxicidade" se relaciona à dose, não ao remédio. Se vendemos grandes quantidades de derivativos cambiais porque menosprezamos seu risco, seremos surpreendidos ao nos depararmos com um cenário adverso. Ao procurarmos diminuir a exposição, acabamos sendo protagonistas do movimento altista que agrava ainda mais o quadro. Por mais exótico que seja, o instrumento derivativo não é o responsável pelas perdas de agentes que estavam sobreexpostos.

Ao contrário, quanto mais difundidos são esses instrumentos, mais fácil fica encontrar quem se disponha a dar-lhes a proteção para a situação de desconforto existente. Se, ao vender proteção no mercado cambial, os exportadores estão atuando de forma economicamente correta, então a que atribuir este imenso impacto financeiro? A resposta é que os mecanismos de contabilização e a chamada de margens, tanto no balcão quanto nas bolsas, debilitam a saúde financeira da empresa em um primeiro momento. O padrão de contabilidade não reconhece o potencial de ganho futuro pelo aumento da cotação da moeda em que o exportador vende os seus produtos, criando, assim, uma ilusão de perdas. O descompasso entre resultados imediatos e perspectivas futuras, associado à dificuldade da companhia em comunicar a racionalidade econômica de seu posicionamento nos contratos que firmou, dá margem à grita geral. Sob pressão, muitas vezes, tomam-se decisões irrefletidas de zeragem dos contratos que causam "prejuízo". Estanca-se a perda financeira, mas, aí sim, expõe-se a empresa ao risco cambial.

Como se vê, quem trabalha com comércio internacional não pode se dar ao luxo de estar zerado em derivativos cambiais, pois, se assim procedesse, estaria submetido à imprevisibilidade de seus resultados futuros, pelo descompasso entre os seus custos em moeda local e suas receitas nas moedas em que vendeu ou firmou contratos de fornecimento. A proteção cambial, nesses casos, não é aposta ou especulação, mas um imperativo de boa gestão. Se a solução não é vedar operações com derivativos e pouca diferença há entre mercados de balcão ou bursáteis, o que podemos fazer para diminuir o ruído nesses momentos de crise? A resposta é simples: vamos investir em comunicação clara, crível e expedita dos impactos econômicos sobre as finanças dos grandes atores desses mercados. O sigilo das estratégias individuais convive perfeitamente com informações confiáveis sobre nível de exposição a risco e testes de robustez do aparato de controle dos participantes com relevância sistêmica. A sociedade civil organizada, através de suas entidades representativas, dará sua contribuição para o desenvolvimento de procedimentos e criação de arcabouço condizente para que derivativos cumpram com seu propósito de redistribuir risco e, com isto, amenizar os efeitos localizados dos eventuais tsunamis econômicos.

O derivativo não é o responsável pelas perdas
Valor Econômico - 3/11/2008
Alfredo Neves Penteado Moraes - Presidente da Andima


Grifo meu.

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