A assimetria do contrato é tão leonina que, provavelmente, não sobreviverá nos tribunais. Mas isso terá um custo "moral" (e financeiro!) para as empresas que procurarem a proteção do seu patrimônio em ações judiciais, cujas soluções levarão anos. Enquanto estas não forem resolvidas, terão de registrar o passivo contingente em seus balanços, com graves prejuízos para o seu crédito e o desenvolvimento de seus negócios. (...) O que se deve perguntar é como uma coisa tão absurda pôde acontecer? A resposta é que se trata de uma combinação trágica: 1) da fértil criação de inovações pelos bancos de investimento, o que, se por um lado, é fator de estímulo ao financiamento das atividades econômicas e à cobertura de riscos, o que acelera o desenvolvimento, por outro (quando libertos da regulação institucional e de obrigações morais) acaba criando crises sistêmicas que atingem o setor real ao qual deveriam estar a serviço; 2) da crença ingênua dos departamentos financeiros das empresas nas "previsões" do mercado. Isso é surpreendente, uma vez que eles mesmos (com meros palpites!) ajudam a formá-la e, depois, acreditam nelas quando as lêem no Boletim Focus do Banco Central. Como deveria ser evidente, são "previsões" incestuosas. Não prevêem: apenas vão se ajustando ao desenrolar dos fatos; e 3) ao imenso descuido da famosa "governança corporativa". Quando tudo parece estar "bombando", ela não vê a necessidade de ter responsável, competente e "on time" auditoria externa para fiscalizar a qualidade das operações de sua tesouraria.
Antonio Delfim Netto - Hedge tóxico - 14/10/2008 - Valor Econômico
Mais ainda:
Poucos dias após o Grupo Votorantim revelar perdas de R$ 2,2 bilhões no mercado financeiro, a subsidiária Votorantim Celulose e Papel (VCP), que tem o capital aberto e ações negociadas em bolsa, afirmou em nota que sua exposição a derivativos está "adequada à política interna e segue os procedimentos de controle de risco adotados pela companhia". De acordo com a empresa, suas operações em derivativos de câmbio, também chamados de "Target Forward", somavam US$ 174 milhões no último dia 30. O valor justo desses instrumentos, ainda segundo a VCP, resultou em uma perda financeira de US$ 145 milhões no terceiro trimestre, valor que considera a curva de juros e a taxa de câmbio no final do período. A companhia informou que não é obrigada a desembolsar a quantia, visto que o efeito caixa só se dará na data de vencimento das operações.
(Valor Econômico - 14/10/2008 - Perda cambial)
E ainda
Dois executivos de bancos brasileiros disseram ontem que pode chegar perto de US$ 30 bilhões o valor total da exposição das empresas que fizeram operações cambiais descuidadas nos últimos meses e agora correm o risco de sofrer perdas por causa da repentina desvalorização do real em relação ao dólar. "Não parece ser um grande problema do ponto de vista macroeconômico ou sistêmico", afirmou o diretor de pesquisa do BBM, Beny Parnes, durante uma conferência organizada em Washington pela Brazilian-American Chamber of Commerce, uma associação formada nos Estados Unidos por investidores com negócios nos dois países. (...)
Nas últimas duas semanas, três grandes empresas brasileiras anunciaram perdas com operações cambiais que pareciam lucrativas antes do aprofundamento da crise financeira internacional e da virada do câmbio. A Sadia perdeu R$ 760 milhões, a Aracruz reconheceu prejuízos de R$ 1,95 bilhão e a Votorantim, mais R$ 2,2 bilhões. Na última sexta-feira, o presidente de um dos maiores bancos brasileiros disse ao Valor que provavelmente surgirão problemas em outras empresas nos próximos dias, mas ele acredita que serão companhias menores que as três que já reconheceram seus prejuízos. "Haverá outros casos, mas nada tão espetacular", afirmou o banqueiro. Segundo ele, bancos estrangeiros foram os primeiros a oferecer esse tipo de operação às empresas brasileiras, mas em pouco tempo bancos nacionais também passaram a negociar os mesmos contratos. Na sua avaliação, os problemas identificados até agora revelam um descuido elementar na administração de risco das empresas que participaram dessas operações. "Ninguém é criança, são empresas grandes", disse o executivo. O banqueiro disse que não há risco de perdas com os efeitos da desvalorização cambial sobre esses contratos para os bancos, porque todos se protegeram contra esse perigo com outras operações no mercado de derivativos, ao contrário das empresas. O único risco que os bancos correm nesses contratos é o de crédito, porque as empresas que estão na outra ponta podem decidir não pagar sua parte agora que perderam a aposta. O problema foi mencionado com preocupação por um observador da conferência realizada em Washington ontem. "A crise atual chamou atenção para as dívidas do setor privado e o que aconteceu com essas empresas pode ser um sinal de que há mais setores vulneráveis", afirmou o economista Arturo Porzecanski, ex-diretor de pesquisas do ABN-Amro para mercados emergentes e hoje professor da Universidade Americana. A ameaça foi minimizada pelos analistas dos bancos brasileiros e pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, que repetiu ontem o que vem dizendo há dias sobre o assunto. "Algumas apostas deram errado, mas não chega a ser um problema sistêmico", disse Mantega durante a conferência.
Perda de empresas pode ir a US$ 30 bi - Valor Econômico - 14/10/2008
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