Crise é o primeiro teste do padrão IFRS
Valor Econômico - 16/10/2008
A crise global é o primeiro grande teste do IFRS, o padrão contábil que caminha para ser a linguagem global dos balanços. A avaliação é de Henri Fortin, especialista financeiro sênior do Banco Mundial. "O IFRS nunca foi testado dessa forma. Não haverá surpresa se o resultado disso for muita discussão." (...) Aos poucos, começa haver um questionamento se o conceito de valor justo, essência do IFRS, sobreviverá à instabilidade. O conceito substitui a antiga referência de registro de ativos e passivos pelo custo, que está a prestes a se aposentar na nossa contabilidade.
A companhia deve avaliar qual o valor justo do bem e, para atender a isso, pode se basear nos preços de mercado, quando se tratar de ativos com liquidez, ou em metodologias matemáticas de precificação. Leonardo Ferreira, sócio da auditoria Deloitte & Touche, em Londres, e especialista em instrumentos financeiros, acredita que a sobrevivência do valor justo será a principal discussão que a crise deixará para a contabilidade. Nessa semana, o Comitê de Normas Internacionais de Contabilidade (Iasb), que desenvolve as normas para o IFRS, flexibilizou o uso desse conceito, cedendo a pressões políticas, depois que a Europa disse que não ficaria em desvantagem - já que nos Estados Unidos há mecanismos para que os bancos não registrem por valor de mercado alguns títulos. Para os técnicos em contabilidade, a decisão, embora compreendida em sua importância política do momento, abala a força do conceito. "Quebraram o termômetro do paciente que está com febre", avalia Alexsandro Broedel, professor da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi). Nelson Carvalho, professor da Fipecafi e presidente do conselho consultivo do Iasb, explicou o objetivo da medida foi eliminar a assimetria entre os dois principais mercados de capitais do mundo. "É preciso entender as decisões em seu contexto histórico." Com a medida do Iasb, os bancos dos países que usam o IFRS poderão reclassificar alguns ativos antes marcados a mercado, por estarem disponíveis para a venda, para papéis que serão carregados até o vencimento. Dessa forma, não precisarão mais ser corrigidos pelos preços praticados no mercado. Poderão ser registrados pelo custo mais a remuneração.
A medida foi acompanhada de aumento das exigência de transparência. "O Iasb entendeu que a orientação anterior poderia conter um efeito perverso para o mercado." É importante explicar, porém, que ao optar pela reclassificação as instituições terão, de fato, de carregar os papéis até o vencimento. Caso decidam vender esses títulos depois, há punições contábeis. Para completar o debate sobre o futuro do IFRS, também sua subjetividade está na mira das discussões. O padrão é baseado em princípios gerais e não em normas engessadas. Por isso, é conhecido por representar a "essência sobre a forma". Os balanços traduzem as decisões e ponderações da administração, dos contadores e auditores. O atual cenário deixará ainda mais importantes as decisões desse grupo, que serão os verdadeiros fotógrafos da crise.
Amaro Luiz de Oliveira Gomes, chefe do departamento de normas do Banco Central, enfatiza que o aumento da responsabilidade dos produtores dos balanços - administradores e técnicos em contabilidade - já era o desafio da convergência para o IFRS no Brasil. Para ele, a crise acentua ainda mais esse cenário. "O tratamento adequado dos registros será a maior lição." Broedel, da Fipecafi, afirma que é essencial que auditores e contadores deixem muito bem documentadas o caminho e as análises que basearam as demonstrações contábeis. Ferreira, da Deloitte, contou que a comparação das explicações fornecidas nos balanços a respeito das metodologias de precificação adotadas aumentaram substancialmente entre 2006 e dezembro do ano passado, quando a crise já despontava. Apesar dos questionamentos que o valor justo vem sofrendo e ainda poderá ser alvo, os especialistas defendem que ele foi essencial para revelar a crise antes que fosse incontrolável.
Para eles, não há fundamento nas avaliações de que a marcação a mercado dos títulos e as baixas contábeis geradas por esses ajustes contribuíram para acentuar a instabilidade. Ao contrário, Ferreira pondera que sem isso a alavancagem poderia ter se sustentado - e crescido - por mais alguns anos até que o problema alcançasse proporções imprevisíveis. Mas sabe que a permanência desse conceito dependerá das ponderações pós-crise.
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