Comprem ações. Eu compro
Warren Buffett *
O Estado de São Paulo - 18/10/2008
O universo financeiro está um caos, tanto nos Estados Unidos quanto no resto do mundo. Além disso, seus problemas contagiaram a economia em geral e o gotejamento agora virou uma torrente. No curto prazo, o desemprego aumentará, a atividade das empresas declinará e as manchetes continuarão assustadoras.
Por isso, resolvi comprar papéis americanos. Estou falando da minha conta pessoal, na qual antes só tinha títulos do governo dos Estados Unidos. (Estou excluindo minhas ações na Berkshire Hathaway, todas comprometidas com instituições filantrópicas).
Se os preços continuarem atraentes, meu patrimônio líquido, com exceção do que está na Berkshire, logo será 100% formado por ações americanas.
E por que motivo? Costumo seguir uma regra simples nas minhas compras: tenha medo da ganância dos outros e seja ganancioso quando os outros se mostrarem temerosos. Certamente, agora, o medo é geral e toma conta até de investidores experimentados.
A bem da verdade, eles têm razão de se mostrarem cautelosos com entidades extremamente alavancadas ou com empresas que não têm boas condições de competitividade. Mas não faz sentido temer pela prosperidade, a longo prazo, de muitas empresas saudáveis deste país. De fato, essas empresas terão ganhos oscilantes, como sempre ocorre. Mas a maioria das grandes companhias acabará estabelecendo novos recordes de lucro, daqui a cinco, 10 e 20 anos.
Devo esclarecer um ponto: não tenho como prever os movimentos das bolsas no curto prazo. Nem como prever se as ações subirão ou baixarão daqui a um mês ou a um ano. Entretanto, é provável que o mercado registre altas maiores, talvez substanciais, bem antes de os sentimentos ou a economia se recuperarem. Portanto, se se esperar muito, as oportunidades poderão passar.
Gostaria de lembrar aqui uma pequena história: durante a Grande Depressão, a Dow atingiu sua maior baixa, 41 pontos, no dia 8 de julho de 1932. Entretanto, as condições econômicas continuaram se agravando até a posse de Franklin D. Roosevelt, em março de 1933. Naquela altura, o mercado já havia avançado 30%.
Lembremos ainda dos primeiros dias da Segunda Guerra Mundial, quando as coisas iam mal para os EUA, na Europa e no Pacífico. O mercado atingiu o fundo do poço em abril de 1942, muito antes de a sorte se voltar para os aliados.
No início da década de 80, a melhor época para comprar ações foi quando a inflação arrasou a economia, lançando-a na crise mais profunda. Em suma, as más notícias são as melhores amigas do investidor: elas permitem comprar uma fatia do futuro dos Estados Unidos a preços de liquidação.
No longo prazo, as notícias da bolsa melhorarão. No século 20, os EUA enfrentaram duas guerras mundiais e outros conflitos militares traumáticos e dispendiosos; a Grande Depressão; várias recessões e pânicos financeiros; choques petrolíferos; uma epidemia de gripe; e a demissão de um presidente que caiu em desgraça. E no entanto a Dow Jones subiu de 66 para 11.497.
Poderia se achar impossível que um investidor perdesse dinheiro em um século marcado por ganhos tão extraordinários. Mas alguns investidores perderam. Os desafortunados compraram ações somente quando se sentiram confortáveis para fazê-lo, e depois as venderam quando as manchetes dos jornais fizeram com que se sentissem enjoados.
Hoje, as pessoas que têm equivalentes de dinheiro se sentem confortáveis. Pois não deveriam. Elas optaram por um ativo terrível a longo prazo, que praticamente não paga nada e cujo valor, com certeza, se deprecia.
Na realidade, a política que o governo adotará em suas iniciativas para aliviar a crise atual provavelmente será inflacionária e portanto acelerará o declínio do valor real das contas em dinheiro.
As ações quase certamente superarão o rendimento do dinheiro na próxima década, e provavelmente em um grau considerável. Os investidores que guardam seu dinheiro, apostam que saberão quando chegará o momento certo para dar-lhe outro destino. À espera de uma boa notícia, eles ignoram o conselho de Wayne Gretzky: “Eu vou para onde o disco vai estar, e não para onde ele estava.”
Não gosto de opinar em matéria de bolsa, e volto a enfatizar que não tenho a menor idéia de como o mercado se comportará no curto prazo.
Entretanto, pretendo seguir o exemplo de um restaurante que abriu em um banco vazio e depois anunciou: “Ponha a boca onde estava seu dinheiro”.
Hoje, meu dinheiro e minha boca estão em ações.
*Warren E. Buffett é diretor executivo da Berkshire Hathaway, uma holding diversificada.
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