Alguém precisa avisar a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) que não há necessidade de se preocupar mais com essa história de convergência das normas contábeis com os padrões internacionais. Está dando um trabalho danado - é um calhamaço de regras, uma apoteose da burocracia européia, que precisa ser regulamentado, juramentado e publicado. Poucos contadores entendem dessa parafernália de pronunciamentos esotéricos, a CVM não tem gente suficiente para cuidar disso e os jornalistas (que já não entendiam as regras antigas) não têm tempo para ficar filosofando sobre valor justo de ativos. A boa notícia é que as empresas estão dispostas a pôr um fim nessa discussão estéril.
Os executivos sempre foram pródigos em soluções criativas para a eterna disposição dos burocratas de complicar o que pode ser simples. Toda vez que o câmbio castiga o balanço, o que fazem aqueles que se endividaram em dólar na hora errada? Culpam a contabilidade.
O prejuízo é "contábil", afinal onde já se viu contabilizar juros que ainda não foram pagos? É para isso que inventaram um dos mais horríveis acrônimos de todos os tempos: ebitda. Não deu lucro? Ebitda neles.
Não seria diferente desta vez. Em meio a essa confusão, as empresas tomaram a iniciativa e por conta própria fizeram a convergência que os burocratas do Conselho de Padrões Contábeis Internacionais (Iasb, na sigla em inglês) nunca poderiam ter imaginado. É muito simples, nada de pronunciamentos de várias páginas que ninguém vai ler. A regra é: tudo se ajusta ao que a administração acha mais correto. Cada um ajusta do seu jeito e fica assim, tudo ajustado, na acepção primeira do Aurélio: tornar justo, exato.
A CVM deveria aproveitar a deixa e acabar de uma vez por todas com o tal lucro líquido. Aquilo que já foi chamado de "última linha" caiu em completo descrédito. Afinal, para que serve o lucro líquido? As empresas tratam-no como figura meramente contábil, a Receita Federal criou um resultado só para ela, o "lucro real". Se esse é o real, o que é o líquido? Irreal, é claro.
Nesta safra de balanços, as empresa estão particularmente empenhadas em colocar os pingos is. O presidente de um grande frigorífico bem que tentou ensinar o bê-á-bá para os jornalistas, com pouco sucesso. A empresa chamou a imprensa para anunciar o lucro "efetivo" do segundo trimestre, de R$ 102 milhões. O balanço que foi para a CVM, no entanto, mostrava um prejuízo de R$ 984 milhões por conta de uma amortização de ágio gigante, um evento não operacional e não recorrente, sim, mas que vai dar um belo desconto no Imposto de Renda. Prejuízo real.
Outro passo importante para a convergência voluntária de balanços é o uso das regras americanas no lugar das brasileiras. A globalização impõem-se e é preciso comparar-se aos concorrentes na linguagem do mercado de capitais de primeiro mundo. Uma grande mineradora divulgou um aumento de 22% no lucro pelas regras americanas. Mais tarde, soube-se que a lei brasileira dizia exatamente o contrário: 22% de queda. Para que tanta confusão? Adotemos logo esse conjunto avançado de regras, aliás, muito aprimorado desde que Enron e WorldCom aprontaram suas estripulias. Melhor ainda, cada um adota o que for mais apropriado no momento. Convergência instantânea e sem traumas. Ou alguém aí quer discutir o valor recuperável dos ativos?
Convergência contábil sem traumas - 14 Agosto 2008 - Valor Econômico
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14 agosto 2008
Polêmica
A seguir, um artigo polêmico do Valor Econômico (não tenho o nome do autor). É óbvio que existem simplificações absurdas, mas os aspectos citados são interessantes:
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