Nova contabilidade vai expor também os 'esqueletos'
Sérgio Gobetti, BRASÍLIA
O Estado de São Paulo - 27/08/2008
Sistema exige uma ampla revisão do valor real de todos os passivos da União, de Estados e municípios
As mudanças na contabilidade do governo, previstas na portaria publicada ontem pelo Ministério da Fazenda, deverão trazer à tona todos os “esqueletos” ainda escondidos nos armários do setor público e não apenas dar mais visibilidade ao patrimônio da União. O reflexo negativo do novo sistema sobre as contas públicas é o principal motivo pelo qual ele ainda não foi instituído no País, quase sete anos depois de ter sido aprovado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), em 2001.
Além de prever a mensuração do impacto dos investimentos públicos sobre os ativos do governo (ou seja, ampliação de sua riqueza), e não apenas sobre as despesas, o novo sistema também exige que se faça uma ampla revisão do valor real de todos os passivos. Atualmente, muitas dívidas da União, dos Estados e municípios se encontram camufladas nas contas públicas - caso, por exemplo, dos precatórios.
Ao mesmo tempo, as dívidas ativas (direitos que os governos dizem possuir em relação a seus devedores) freqüentemente estão infladas, sendo registradas por um valor muito superior ao que efetivamente têm. O INSS, por exemplo, diz ter direito a mais de R$ 200 bilhões de créditos, mas nunca chegará a recuperar esse valor.
Dar maior transparência e rigor econômico a essas estatísticas é um dos objetivos do novo manual de contas públicas do FMI, mas sua implementação exige muita negociação entre as três esferas de governo e também muitas modificações operacionais no sistema de contabilidade pública e de registro das despesas. Uma das grandes inovações do guia do FMI é a substituição do critério de caixa pelo de competência. Ou seja, a previsão de que se registre as despesas no momento de sua efetiva realização e não no de pagamento.
Atualmente, quando divulga seu superávit primário, o governo informa a diferença entre as receitas obtidas e as despesas pagas. Ocorre que o valor pago das despesas é bem inferior ao valor contabilizado pela ótica de competência. Então, se substituísse um critério pelo outro, o governo passaria a apresentar um superávit muito menor que hoje.
Outro problema reconhecido pelos técnicos é que a própria mensuração da despesa pelo critério de competência não corresponde hoje, no Brasil (com a utilização dos chamados valores de empenho), ao que internacionalmente se considera uma execução efetiva da despesa.
“A contabilidade não está mudando hoje nem vai mudar na próxima semana”, disse ontem o secretário do Tesouro, Arno Augustin, ao explicar que as discussões técnicas ainda devem demorar a surtir efeitos práticos.
Segundo técnicos do Ministério da Fazenda, o aprimoramento do sistema de contabilidade não tem nenhuma relação com uma eventual mudança no sistema de metas fiscais, como sugerido pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, no final da semana passada. A substituição da meta de superávit primário por nominal poderia ocorrer a qualquer tempo, independentemente do que está sendo revisto agora nas contas públicas brasileiras.
Outra confusão criada diz respeito às eventuais mudanças nas estatísticas, como a exclusão da Petrobrás e de outras estatais do setor produtivo do cálculo do superávit primário. Essa hipótese não foi aberta agora, com a portaria que trata dos critérios de contabilidade ou em razão das recentes descobertas de petróleo, mas está sendo discutida pelo governo desde o ano passado, quando uma outra portaria (nº 90, de 27 de abril de 2007) foi baixada com o intuito de iniciar a adaptação das estatísticas fiscais do Brasil ao novo manual do FMI.
O novo modelo propugnado pelo Fundo (adotado pioneiramente por Nova Zelândia e Austrália) é considerado um avanço em relação ao de 1986 por aproximar as estatísticas financeiras dos governos das práticas contábeis adotadas pelo setor privado há muitos anos. Nos balanços das empresas, por exemplo, a saúde financeira não é avaliada só pelas receitas e despesas nem pelas dívidas, mas também por um conjunto de ativos (bens) acumulados.
“Um déficit que financia a construção de nossas estradas, pontes, portos e aeroportos é um investimento no futuro”, costumava dizer o economista americano Robert Eisner. Isso não significa, segundo os técnicos, que o governo vá mudar o conceito de resultado primário, mas construir um sistema de estatística que ofereça informações adicionais até sobre a qualidade do ajuste fiscal. Ou seja, a idéia é mostrar a evolução não apenas das contas fiscais tradicionais, mas também do balanço patrimonial completo dos governos.
TERMOS CONTÁBEIS
Caixa: critério pelo qual o governo registra a transação somente quando ela é paga.
Competência: o governo registra a transação no momento econômico em que ela é realizada.
Ativos: bens e direitos obtidos em transações passadas, que podem resultar em benefício econômico.
Passivo: dívidas e obrigações devidas em certo momento.
Superávit: quando o ativo (receita) supera o passivo (despesa).
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