Quando o prejuízo vira lucro
Valor Econômico - 30/07/2008
Se ainda havia alguma dúvida sobre a importância para o investidor de um assunto tão árido quanto o ágio, há uma chance de ela se dissipar nesta safra de balanços. Só a Perdigão amortizou numa única tacada o ágio das principais aquisições: nada menos do que R$ 1,5 bilhão. A medida transformou o que seria um lucro de R$ 102,5 milhões, no segundo trimestre do ano, num prejuízo de R$ 881,8 milhões. A Energias do Brasil fez o mesmo com o ágio da Enersul, de R$ 129 milhões, e o resultado líquido de abril a junho ficou negativo em R$ 4 milhões.
A iniciativa dessas empresas pode estar relacionada com o ambiente de incerteza gerado pelo processo de convergência do padrão contábil brasileiro ao internacional (IFRS), iniciado com a aprovação da Lei 11.638, no fim do ano passado. É possível que o ágio emagreça, assim como o benefício fiscal auferido.
O assunto está cercado de dúvidas, tanto por conta das novidades inseridas pela legislação, como pela ansiedade em torno do entendimento da Receita Federal sobre as novidades. Assim como nos países que usam o IFRS, aqui também o ágio deixará de transitar pelo resultado das empresas. Embora a expectativa seja de que a economia fiscal continue ocorrendo, a partir do momento em que a Receita Federal garantir que as regras não mudarão, isso ainda não foi definido.
Mas, passado o susto com a perda inesperada, os acionistas das companhias que acelerarem a amortização do ágio podem começar a comemorar a economia fiscal. No caso da Perdigão, haverá um ganho tributário de R$ 501 milhões. Durante dez anos, uma parcela desse montante será reduzida do imposto a pagar. Assim, o que o investidor vê agora no balanço não é o que acontecerá no caixa da companhia. Por isso, ambas as empresas já esclarecem que o dividendo a ser distribuído não sofrerá impacto dessa medida contábil. As empresas podem reduzir o lucro de cada exercício em até 30% com amortização de ágio. Essa amortização nada mais é do que dar tratamento de despesa ao ágio, o que diminui a lucratividade da companhia e, portanto, a base de incidência dos tributos. Como o imposto sobre o lucro é de 34%, essa é a proporção do ágio que se transforma em economia tributária.
Por se tratar de um tema difícil e altamente técnico, os investidores se acostumaram a conviver com as amortizações de ágio nos balanços e a desconsiderar esse efeito para avaliação do desempenho operacional do negócio, por recomendação dos próprios administradores. Mas a verdade é que deveriam sim entender da questão. Justamente porque esses procedimentos contábeis têm um efeito importante sobre o caixa - motivação das companhias para apresentarem publicamente um prejuízo que, na realidade, não tiveram com suas atividades. Na nova contabilidade, o ágio sairá da demonstração de resultado, mas continuará no balanço patrimonial.
(...) Pelo conceito purista e técnico, ágio é o prêmio pago em aquisições por expectativa de rentabilidade futura. Porém, Eliseu Martins, professor da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi), explica que historicamente, no Brasil, seu cálculo foi distorcido. As companhias consideravam como ágio toda diferença entre o preço pago por um negócio e seu valor patrimonial. Mas não é assim que a conta deveria ser feita.
Segundo Martins, que também é vice-coordenador técnico do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), a diferença entre o valor de aquisição e o contábil de um bem deveria ser repartida em dois itens: a mais valia (valor de mercado) e a expectativa de resultado futuro. A regra da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) que trata do assunto já faz essa recomendação. A economia fiscal pode ser obtida a apenas sobre o ágio existente por expectativa de lucro futuro.
Guillermo O. Braunbeck, da Hirashima & Associados, explica que era interessante para as companhias fazer o cálculo da forma simplificada. Quanto maior fosse o ágio, maior seria o benefício fiscal.
(...) Outro conceito inserido no processo de convergência do padrão brasileiro ao IFRS que pode afetar o ágio das aquisições é o da baixa contábil - conhecido como "impairment". Trata-se de uma avaliação periódica pelas empresas de seus bens, para verificar se eles ainda podem trazer o resultado esperado. Caso a expectativa se reduza, o valor do bem, tangível ou intangível, deve ser ajustado para baixo. O ágio é um dos ativos que deverá passar, periodicamente, por essa análise.
Assim, as dúvidas sobre o futuro do ágio nos balanços não são poucas. O professor Ariovaldo dos Santos, da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi), acrescenta que, no lugar da despesa de amortização, as empresas poderão ter baixa contábil. Então, não dá para saber se os resultados das companhias serão maiores ou menores, assim como os dividendos. "Dependerá de cada empresa", afirma.Para ele, a nova lei vai melhorar a informação para os investidores, que saberão qual é o valor de mercado dos ativos. Também aumenta a transparência das aquisições, pois a composição do preço pago ficará mais clara.
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