Rede pagou R$ 1,5 milhão a auditores após mudança
Folha de São Paulo - 3/6/2008
LEONARDO SOUZA
Dois dos principais executivos do McDonald's até meados de 2005, os ex-vice-presidentes no Brasil Eduardo Mortari e Jadir de Araújo disseram à Justiça que a matriz da rede de lanchonetes nos EUA sabia da contratação de lobistas para modificar regras tributárias no país em benefício da empresa, no caso conhecido como "venda de legislação" na Receita Federal.
Conforme a Folha publicou em junho de 2005, a rede planejou e obteve alteração na legislação para recolher menos Imposto de Renda.
Para alcançar o objetivo desejado, ela contratou indiretamente os serviços dos então auditores fiscais Sandro Martins e Paulo Baltazar, demitidos da Receita há duas semanas pelo ministro Guido Mantega (Fazenda) como resultado da investigação sobre a "venda de legislação".
A empresa pagou R$ 4,45 milhões ao escritório de lobby de Brasília RPN, dos quais R$ 1,5 milhão à empresa dos dois auditores, a Martins Carneiro Consultoria, dias depois de a legislação ter sido alterada nos moldes pretendidos pelo McDonald's. O ato administrativo com a mudança foi assinado pelo então secretário da Receita, Everardo Maciel, que nega ter agido para beneficiar a cadeia de restaurantes.
Quando a Folha publicou as primeiras reportagens sobre o envolvimento do McDonald's no escândalo, a empresa negou que a matriz nos EUA tivesse conhecimento da contratação de lobistas ou de auditores da Receita. Pela versão da empresa, a contratação teria sido iniciativa isolada dos executivos no Brasil. Assim, Mortari e Marcel Fleischmann, ex-presidente no Brasil, foram demitidos por justa causa. Jadir teria sido forçado a pedir demissão. Mortari entrou com ação na Justiça do Trabalho contra o McDonald's.
Por meio de sua assessoria, o McDonald's informou que não iria comentar o assunto.
"Que a contratação da RPN não era segredo na reclamada [McDonald's]; que o depoente conversou com o sr. Eduardo Sanches [então presidente do McDonald's para a América Latina] sobre o assunto dedutibilidade de royalties tanto antes quanto após a contratação da RPN", disse Jadir, como testemunha de Mortari, em depoimento ao Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo.
Foi Jadir, na condição de vice-presidente-executivo no Brasil, que assinou o contrato com a RPN. "Que o sr. Eduardo Sanches tinha acesso e sabia do contrato, dos valores envolvidos e do objeto da contratação [...]. Que a reclamada possui auditoria interna e externa realizada pela Ernest Young, que reporta todas as verificações ao McDonald's Corporation, afirmando que, caso houvesse firmado tal contrato sem autorização, o fato seria do conhecimento da matriz americana", completou Jadir.
"Que o sr. Eduardo Sanches, no final do ano de 2000, através de uma conferência por telefone com o sr. Marcel Fleischmann [...], autorizou a contratação da RPN para tratar especificamente do assunto dedutibilidade de royalties, afirmando o depoente que estava na sala do sr. Marcel nesta oportunidade", disse Mortari no TRT.
O advogado de Mortari, José Augusto Rodrigues Júnior, afirmou que seu cliente tem provas de que a matriz sabia dos objetivos da contratação da RPN. Citou como exemplo troca de e-mails entre executivos da matriz tratando do tema.
Os R$ 4,45 milhões foram pagos pela cadeia de lanchonetes à RPN -cujo faturamento anual não passava de R$ 79 mil- em 8 de março de 2002, dez dias após a publicação, no "Diário Oficial" da União, do ato administrativo assinado por Everardo. Três dias depois, o R$ 1,5 milhão foi transferido para a consultoria dos auditores.
"Tenho a satisfação de comunicar uma excelente notícia que beneficiará a todos os franqueados: finalmente conseguimos uma posição da Receita Federal reconhecendo a dedutibilidade dos royalties [...]. Esse reconhecimento veio através de "ato declaratório interpretativo" [...] assinado pelo secretário da Receita Federal [Everardo Maciel]", escreveu Jadir exatamente no dia 11 de junho em comunicado aos franqueados da rede no país.
Quando o ato foi assinado pelo ex-secretário da Receita, Sandro Martins exercia o cargo de seu assessor especial no fisco, responsável por elaborar pareceres que embasavam as decisões de Everardo. Nessa época, Paulo Baltazar estava aposentado.
Essa sempre foi a tática dos dois -um ficava na Receita, e o outro, fora, trabalhando na Martins Carneiro. No fisco, eram chamados pelos colegas de "anfíbios" (ora trabalhavam para a Receita, ora para a iniciativa privada contra o fisco).
Segundo documentos obtidos pela Folha em 2005, o objetivo do McDonald's era permitir que os franqueados pudessem deduzir do Imposto de Renda até 5% dos valores pagos por royalty -daí Jadir e Mortari terem dito que ambos trataram com o então presidente do McDonald's para a América Latina a contratação da RPN para resolver a questão da "dedutibilidade de royalties".
Até então, o entendimento na Receita era que a dedução não poderia passar de 1%. Aqueles que deduziam valores acima desse percentual eram autuados pelo fisco. O ato assinado por Everardo passou a ser usado pelos franqueados para contestar as autuações.
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