Ford avança em recuperação e prepara mais cortes de custos
Mike Spector, The Wall Street Journal, de Dearborn, EUA
The Wall Street Journal Americas - 24/4/2008
Há muito tempo considerada a mais doente das três grandes montadoras dos Estados Unidos, a Ford Motor Co. está mostrando sinais de uma surpreendente recuperação.
Quando Alan Mulally assumiu a presidência executiva, em 2006, a Ford rumava para o pior prejuízo anual — US$ 12,6 bilhões — em seus 105 anos de história. A debilitada economia americana e o alto preço da gasolina estavam dilacerando as vendas.
Mas ao longo dos últimos 12 meses Mulally, um ex-executivo da Boeing Co. sem experiência no setor automobilístico, melhorou os resultados trimestrais da empresa. Em 2007, a Ford surpreendeu a indústria ao divulgar um fluxo de caixa positivo de US$ 400 milhões, algo que as rivais General Motors Corp. e Chrysler LLC têm sido pressionadas a igualar.
Ao mesmo tempo, o índice de qualidade dos veículos da Ford aumentou muito e agora se aproxima dos elevados níveis da rival japonesa Toyota Motor Corp. Isso cortou US$ 1 bilhão dos seus custos com garantia no ano passado.
A empresa ainda não parou de cortar custos. Segundo pessoas próximas de Mulally, ele está analisando a venda da Volvo, apesar das repetidas afirmações da Ford de que pretende manter a marca. Da mesma forma, ele espera fechar a enferma marca Mercury.
Mais cortes de empregos podem estar por vir. Apenas cerca de 4.000 trabalhadores assinaram a mais recente proposta de demissão voluntária feita pela Ford, em torno da metade do número desejado, segundo uma pessoa familiarizada com a questão. É provável que Mulally faça uma nova rodada, podendo então recorrer às demissões forçadas, dizem pessoas familiarizadas com o assunto.
“É claro que temos muitos mecanismos para continuar eliminando custos fixos”, diz Mulally. Ele prefere não comentar a possibilidade de venda da Volvo e tem insistido que a Ford mantém compromisso com a Mercury.
Hoje, os resultados trimestrais da Ford vão dar novas pistas das chances de Mulally cumprir sua promessa de a empresa ser lucrativa até 2009, uma meta que muitos tinham como improvável um ano atrás. Executivos da Ford têm repetido que o objetivo deles continua o de obter resultados trimestrais melhores do que no exercício precedente.
Como a GM e a Chrysler, a Ford fez cortes grandes e pequenos nos custos. Nos últimos anos, ela eliminou mais de 46.000 empregos na América do Norte, o equivalente a um terço de sua força de trabalho. Também freou o nível de personalização de veículos, que aumentava os custos. Até há pouco tempo, o Lincoln Navigator, por exemplo, oferecia 128 opções apenas no seu painel.
“Você sabe qual é o fatorial de 128 — são muitas combinações”, brincou Mulally numa conferência recente, zombando do número de designs que teoricamente resultaria da mistura de opções. (Resposta: 3,85620482 x 10215.)
Diferentemente da Chrysler e da GM, a Ford também reduziu o número de marcas que oferece para poder se concentrar no principal da linha Ford. Mulally vendeu a Aston Martin, a Jaguar e a Land Rover — compradas nos últimos 20 anos — para canalizar investimento na própria Ford e acelerar a produção de novos carros pequenos, cujas vendas estão subindo. Vender a Volvo e a Mercury deixaria a Ford com apenas duas linhas, a Ford e a Lincoln, mais uma participação de controle na Mazda Motor Corp.
Em comparação, a GM está mantendo suas oito marcas. A Chrysler, uma empresa bem menor, ainda está decidindo como posicionar suas três.
“Este é um exemplo clássico de como se pode encolher para crescer”, diz Peter Nesvold, analista da Bear Stearns. Mulally “está tomando muitas decisões difíceis num ciclo de baixa, o que deve beneficiar a empresa quando eles entrarem na próxima fase de alta.”
A reestruturação da Ford ainda pode perder força. A alta do petróleo, os problemas do mercado de crédito em Wall Street e o declínio do setor imobiliário residencial dos Estados Unidos também estão prejudicando as vendas de veículos. Este ano, as vendas anuais podem chegar ao nível mais baixo em mais de dez anos, segundo a J.D. Power & Associates.
E embora a Ford esteja bem agora com o pequeno utilitário esportivo Edge, o sedã Fusion e o Focus, os compradores de carro podem ser volúveis. Poucos anos atrás, a Chrysler teve grande sucesso de vendas com o sedã 300, com um poderoso motor de oito cilindros, mas o charme do carro se esvaneceu à medida que o preço da gasolina passou dos US$ 0,79 por litro nos EUA, um valor bastante alto pelos padrões históricos.
Além disso, a Ford ainda precisa da cooperação do sindicato de metalúrgicos United Auto Workers para substituir empregados antigos por novos contratados com salários menores.
Mesmo assim, Mulally, de 62 anos, conseguiu melhorar os resultados durante o período de maior retração nas vendas de veículos nos EUA em mais de dez anos, ao mesmo tempo em que mudou o mix da Ford, reduzindo a importância de picapes e utilitários esportivos beberrões de combustível. Em 2004, 70% das vendas da empresa foram representadas por aqueles tipos de veículos; em março último, o número foi de 43%.
Mulally chegou à Ford vindo da Boeing, a fabricante de aviões, onde ele havia passado toda sua carreira. Por duas vezes a Boeing o preteriu para a presidência executiva, apesar do trabalho dele na reabilitação da divisão de aviões comerciais, tomando emprestado idéias de eficiência da Toyota.
No segundo semestre de 2006, os problemas da Ford estavam aumentando. William C. Ford Jr., o presidente então, decidiu que a montadora precisava de um novo diretor- presidente. Um dos membros do conselho da Ford sugeriu Mulally.
Um grande motivo do problema da Ford logo ficou claro para o novo diretor-presidente. A Ford, como a GM e a Chrysler, lucrou muito com caminhonetes nos anos 90, mas cedeu terreno às montadoras japonesas em carros de passeio. A Ford tinha apenas um carro menor, o Focus, em comparação com seis da Toyota.
Mulally também se espantou ao descobrir que as várias operações regionais da Ford atuavam independentemente uma da outra. Depois de uma análise de desenvolvimento de produto, ficou sabendo que a Ford monta dois Focus, com peças diferentes, dependendo do mercado — um esportivo, que vende bem na Europa, e uma versão mais barata e simples nos EUA.
Mulally acelerou o plano de reestruturação da Ford, reduzindo entre outras coisas as grandes vendas com baixas margens de lucro para frotas de locadoras. A medida era arriscada e faria a participação de mercado da montadora cair abaixo de 15%. Mas Mulally queria que a participação de mercado da Ford atingisse seu “nível natural” — o volume no qual os carros são vendidos sem grandes descontos. “Não me importa qual seja o nível da participação de mercado”, afirma Mulally. O objetivo é “voltar à rentabilidade”.
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