Impacto tributário ainda gera dúvida
Jornal do Commércio do Rio de Janeiro - 25/3/2008
O impacto tributário que a Lei das S/A irá provocar nas empresas permanece uma incógnita para profissionais envolvidos no processo. Embora o Ministério da Fazenda garanta e um dos artigos do texto da lei afirme que não haverá efeitos nessa questão, novas regras estabelecidas pela legislação dão margem a interpretações e podem levar a questionamentos judiciais.
A criação da reserva de incentivo fiscal, por exemplo, permitirá às companhias abertas registrar as doações e subvenções para investimento não mais como reserva de capital e, sim, no resultado do exercício. Como na legislação fiscal existe previsão de não tributação quando contabilizado na reserva de capital, esses valores ficarão sem respaldo legal.
Outro ponto polêmico está nos custos relativos a operações de leasings, que eram lançados como despesa e, portanto, dedutíveis no Imposto de Renda. A partir de agora, esses valores passarão a ser contabilizados como ativos imobilizados. Os custos passarão a ser deduzidos de acordo com a depreciação dos ativos, o que levará mais tempo e ficará mais caro.
“Nesse caso, não se deduz imediatamente o valor, como ocorria em despesa, mas sim na depreciação. Como o período de pagamento do leasing é mais curto que o da depreciação, a empresa terá um custo antecipado tributário e perde dinheiro”, explica Nelson Rocha, ex-secretário Estadual de Fazenda do Rio e sócio da BKR Lopes Machado, empresa de auditoria e consultoria.
RECEITA FEDERAL. Para avaliar essas e outras questões, a Receita Federal criou um grupo de trabalho, do qual se espera um pronunciamento confirmando ou não se as novas regras embutem qualquer impacto tributário nas companhias. O grupo deverá se pronunciar sobre a questão no final de maio, segundo informou um de seus integrantes.
A Lei das S/A, de número 11.638, que passou a vigorar em 1° de janeiro de 2008, tramitou durante sete anos no Congresso Nacional antes de ser aprovada. Ela tem como objetivo atualizar a legislação societária brasileira para possibilitar a convergência das práticas adotadas no Brasil com normas internacionais de contabilidade (IFRS).
A principal mudança da lei está na criação de uma figura chamada Empresas de Grande Porte (EGP), que consiste em companhia com receita bruta maior que R$ 300 milhões ou ativos totais que superem R$ 240 milhões. Independente da forma societária adotada, elas passam a ser obrigadas a elaborar as demonstrações financeiras com base nas regras da nova lei e devem ser auditadas.
O ponto mais polêmico a esse respeito é a questão da publicação das demonstrações financeiras. Segundo Rocha, o texto do artigo da lei é omisso quanto a necessidade de publicação, gerando incertezas para as empresas. “Juristas renomados, como Modesto Carvalhosa, afirmam que outros artigos da lei continuam valendo e que, portanto, existe a obrigatoriedade”, diz Rocha.
CVM. Recentemente, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) adotou uma posição de neutralidade em seu comunicado ao mercado, dizendo que toda forma de transparência é positiva, mas sem tomar uma posição mais direta sobre a publicação. Para Rocha, a obrigatoriedade, além de maior transparência, facilita o combate à informalidade e ao chamado Caixa 2.
Rocha acrescenta que a transparência talvez seja um dos pontos principais da mudança. Uma série de grandes empresas, inclusive aquelas de setores fundamentais para a economia do País, ainda não publicava balanço. Ele diz acreditar que a nova exigência será um importante meio de prestação de contas dessas companhias para a sociedade.
“No setor automotivo, por exemplo, não há empresa que publique balanço. É um setor estratégico, fundamental para o País”, disse Rocha, lembrando que o Brasil era um dos países em que menos se fazia auditoria no mundo. “Isso começa a mudar, mas ainda é necessário avaliar a questão do impacto tributário, pois pode gerar insegurança jurídica e tributária”, diz.
A nova Lei das S/A depende ainda, no entanto, de normatizações do Banco Central, da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da Superintendência de Seguros Privados (Susep). Questão pendente está na responsabilidade pela fiscalização do cumprimento da Lei das S/A pelas sociedades de grande porte.
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