A nova legislação contábil e as limitadas
Modesto Carvalhosa
Valor Econômico - 21/01/2008
A questão da obrigatoriedade da publicação dos balanços das sociedades limitadas de grande porte, em virtude da edição da Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007, tem suscitado certa perplexidade nos meios jurídicos e empresariais.
Esta alteração do vigente diploma societário deveu-se à iniciativa da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) que, em novembro de 1999, apresentou ao Ministério da Fazenda um anteprojeto de mudança parcial da Lei nº 6.404, de 1976, tendo em vista duas questões fundamentais. Uma delas refere-se à harmonização das práticas contábeis adotadas no Brasil com aquelas implantadas nos principais mercados financeiros, levando em conta o processo de globalização e a evolução, em nível mundial, dos princípios fundamentais de contabilidade.
Tudo com base nas recomendações da International Finance Reporting Standards (IFRS) e do organismo internacional que congrega as comissões de valores mobiliários de todo o planeta - a Iosco.
O outro objetivo do anteprojeto de legislação da CVM, agora convertido na Lei nº 11.638, é o de obrigar as sociedades limitadas de grande porte a publicarem seus balanços, tendo em vista a falta de divulgação das informações contábeis e patrimoniais destas empresas e que representava um obstáculo ao desenvolvimento do mercado de capitais e à análise microeconômica de setores fundamentais da economia do país.
Esta exigência da CVM - de publicação dos balanços e de adequação das sociedades limitadas de grande porte aos novos padrões de elaboração das suas demonstrações financeiras rigorosamente de acordo com a nova Lei nº 11.638 - visou sanar uma monstruosidade praticada à larga no Brasil pelas maiores companhias multinacionais.
Estas, a partir dos anos 80, resolveram converter-se em sociedades limitadas, a despeito da enorme dimensão que ostentam, simplesmente para sonegar ao mercado a publicação de seus balanços e, assim, evitar a transparência de suas atividades empresariais no Brasil.
Esta grosseira manobra de conversão de sociedades anônimas em limitadas feita por parte das grandes multinacionais sediadas no Brasil, como se fossem simples padarias de esquina, lanchonetes, papelarias e outros pequenos negócios familiares, tornou-se um verdadeiro escândalo que colocava nosso país em situação vexaminosa por possuir duas classes de grandes empresas: as nacionais que publicavam, como sociedades anônimas, seus balanços, e as multinacionais que na sua grande maioria refugiavam-se na canhestra forma de limitadas para impedir, desta forma, a transparência dos setores que dominavam, notadamente o automobilístico e o farmacêutico, além das grandes distribuidoras de bebidas e outras áreas industriais relevantes da economia brasileira.
Assim, para dar alguns exemplos, tornaram-se limitadas Bayer, Bosch, Firestone, Carrefour, Coca-Cola, Daimler-Chrysler, Dow, Eli Lilly, Ericsson, Ford Motors, Gates, General Motors, Goodyear, Honda, IBM, Intel, Johnson & Johnson, Kimberly Clark, Mangels, Microsoft, Mitsubishi, Monsanto, Motorola, Nestlé, Nortel, Pfizer, Procter & Gamble, Rhodia, Scania, Schering, Siemens, Timken, Toyota, Unilever, Volkswagen e Wal-Mart, em meio a uma lista ainda maior de conversões em massa à arcaica forma societária.
O assunto, embora discretamente tratado pela CVM, afetava até a questão da soberania nacional, pois muitas multinacionais sediadas no Brasil reportavam sua situação financeira unicamente às suas matrizes e aos respectivos mercados, ainda que por via da consolidação de balanço do grupo, sem que no Brasil se tivesse a menor idéia da situação refletida nas suas demonstrações, guardadas a sete chaves.
Ocorre que a CVM, atendendo à globalização da economia, que se acentuou a partir dos anos 90, resolveu, através do referido anteprojeto de lei, eliminar esta constrangedora situação, exigindo que as limitadas de grande porte, vale dizer, aquelas multinacionais que são relevantes nos diversos setores produtivos do país, passassem a publicar os seus balanços, devendo seguir as mesmas regras contábeis determinadas pelo IFRS para as companhias abertas.Para tanto, a Lei nº 11.638 é clara e insofismável, não cabendo sobre ela nenhuma interpretação de caráter histórico fundada meramente nas discussões que ocorreram nas diversas comissões da Câmara dos Deputados. O que ali se debateu não prevalece sobre a interpretação sistemática do diploma sancionado em 28 de dezembro de 2007.
O artigo 3º da nova legislação declara que aplicam-se às sociedades de grande porte, ainda que constituídas sob a forma de limitadas, as disposições da Lei nº 6.404 sobre a elaboração e divulgação das demonstrações financeiras. Para tanto, as demonstrações financeiras das limitadas de grande porte devem, doravante, obedecer ao que consta no artigo 176, inclusive no seu parágrafo 1º, que determina que as demonstrações de cada exercício serão publicadas, com a indicação dos valores correspondentes das do exercício anterior. Por sua vez, o artigo 289 da lei societária vigente determina que todas as publicações ordenadas na lei societária serão feitas no Diário Oficial do Estado em que esteja situada a sede da companhia e em outro jornal de grande circulação editado na localidade respectiva.
Em conseqüência, não pode restar qualquer dúvida sobre a obrigatoriedade de publicação dos balanços e demonstrações financeiras das limitadas de grande porte tanto no Diário Oficial como em um jornal de grande circulação, para que, assim, cumpra-se o determinado na referida Lei nº 11.638, que, por feliz iniciativa da CVM, procurou sanar uma situação de vexame nacional, restabelecendo a necessária transparência dos balanços daquelas companhias de grande importância para a nossa economia e que, silenciosamente, refugiaram-se na forma de sociedades limitadas.
21 janeiro 2008
Nova lei
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