Verbas públicas para ONGs
O Estado de São Paulo - 01/08/2007
Boa parte do dinheiro das ONGs é desviada ou desperdiçada
O governo finalmente baixou um decreto disciplinando o repasse de verbas federais para organizações não-governamentais (ONGs) e organizações da sociedade civil de interesse público (Oscips). Só para 2007 o Orçamento da União prevê a transferência de R$ 3 bilhões para essas entidades. Por falta de fiscalização do modo como esses recursos são aplicados, o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-Geral da União estimam que metade desse valor seja desviado. Recentemente, o Jornal da Tarde mostrou algumas das fraudes praticadas por ONGs que atuam no setor educacional em São Paulo, como classes fantasmas, duplicidade de turmas e docentes cadastrados para atuar em três lugares diferentes no mesmo horário.
A iniciativa do governo é tomada um ano após a Operação Sanguessuga, da Polícia Federal, que descobriu o desvio de R$ 110 milhões em convênios firmados com ONGs da área de saúde, e nove meses após a divulgação do relatório de uma auditoria efetuada pelo TCU em 28 entidades escolhidas aleatoriamente. O órgão detectou graves problemas em 15 dessas ONGs, como prestações de contas confusas, recibos falsificados e notas fiscais frias, além de falta de pessoal qualificado e projetos mal elaborados, com metas obscuras. Segundo a Associação Contas Abertas, entidade sem fins lucrativos que se mantém com contribuições da iniciativa privada, a União repassou a ONGs, entre 2001 e 2006, R$ 11 bilhões, em valores correntes. É muito dinheiro público gasto com entidades duvidosas, iniciativas discutíveis e pouca transparência na prestação de contas. Há seis anos, a estimativa era de que existiam 22 mil ONGs no País, atuando nas mais diversas áreas, da saúde indígena e construção de cisternas no Nordeste à reforma agrária, atendimento a crianças de rua, alfabetização de adultos e biodiversidade. Atualmente, estima-se que existam 260 mil ONGs, a maioria, em flagrante contradição com o próprio nome, vivendo exclusivamente de repasse de recursos governamentais. A expansão do número de convênios firmados pela União com ONGs e Oscips começou nos anos 90 com a reforma do Estado e a adoção de políticas de redução das despesas de custeio. Acompanhando uma tendência mundial, o Executivo diminuiu a oferta de serviços essenciais prestados diretamente e os delegou a entidades da sociedade civil, apoiando-as financeiramente. A idéia era estimular o voluntariado e fortalecer ONGs e Oscips, entregando-lhes a responsabilidade por atividades que fomentassem iniciativas comunitárias. Por falta de legislação eficaz, contudo, essa estratégia foi desvirtuada e sucessivos governos perderam o controle das transferências de recursos ou passaram a privilegiar entidades criadas por sua clientela política. Como mostrou o Jornal da Tarde, várias ONGs que trabalham com a alfabetização de adultos em São Paulo são vinculadas à CUT e ao PT. O descontrole chegou a tal ponto que, a pedido das ONGs mais antigas e conceituadas, em 2004 o presidente Lula criou um grupo de estudos para preparar uma nova legislação para o setor. Todavia, como se tornou habitual no seu governo, nada de concreto foi feito e os convênios com ONGs e Oscips se tornaram um buraco negro nas finanças da União. O decreto baixado na semana passada, disciplinando o repasse de recursos federais a ONGs e Oscips, está longe de resolver o problema em caráter definitivo, mas é um passo importante para coibir fraudes.
O decreto proíbe o repasse de verbas públicas a ONGs que tenham como dirigentes integrantes dos Três Poderes e servidores do órgão responsável pelo convênio. Além disso, obriga todo convênio com repasse superior a R$ 5 milhões a ser feito por meio do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi). E ainda exige que ONGs e Oscips se cadastrem no Sistema de Gestão de Convênios, Contratos de Repasse e Termos de Parcerias, tenham inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas e que os convênios por elas firmados sejam divulgados no site do Ministério do Planejamento. Custa crer que o governo tenha demorado tanto tempo para adotar medidas moralizadoras tão simples e sensatas como essas. Resta agora esperar que ele atenda à reivindicação das ONGs mais conceituadas e imponha uma nova legislação para o setor.
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