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10 junho 2007

Contabilidade ambiental

Dois pesos e duas medidas na dívida ambiental - O Globo - 10/06/2007

Nos EUA há 3 vezes mais informações sobre empresas brasileiras do que aqui. Passivo só está em 29% dos balanços

Cássia Almeida e Liana Melo

A questão ambiental ainda é um tabu entre as empresas. Das 500 maiores, só 29% declaram seus passivos em balanço, segundo o “Anuário Gestão Ambiental”. Não bastasse isso, levantamento de Aracéli Ferreira, doutora em Ciências Contábeis da UFRJ e coordenadora do Grupo de Pesquisa em Contabilidade Ambiental e Relatórios Sociais em parceria com o CNPq, mostra que há mais informações ambientais nos relatórios para o investidor americano do que para os brasileiros. Em alguns casos, como nos riscos e custos ambientais, há apenas cinco citações nos balanços brasileiros encaminhados à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) contra 19 nos relatórios apresentados à bolsa americana.

— O investidor normal é que sofre com a diferença na divulgação dos dados. Trata-se de uma desigualdade que pode favorecer investidores estrangeiros em detrimento dos do próprio país. Isso é inaceitável. Essa assimetria de informação só não atinge os analistas de mercado, porque eles são versados em contabilidade e tratam o assunto de forma profissional — afirma Aracéli.

Empresa define o que é ou não passivo ambiental

Para impedir dois pesos e duas medidas nos balanços, a CVM obriga as empresas a enviarem ao órgão regulador o mesmo relatório fornecido à bolsa americana, traduzido em português. Além disso, desde 2005, está em vigor uma deliberação que obriga as empresas a declararem passivo ambiental, seja ele provável, possível ou remoto. Só que cabe ao administrador da empresa considerar que esse ou aquele dano é um passivo ambiental.

— Há um esforço para fazer as informações serem iguais em todas as bolsas — disse Wagner de Aquino, inspetor da CVM.

Aracéli analisou informações financeiras referentes a 2004 de 11 empresas: Aracruz Celulose, Braskem, Cemig, Companhia Paranaense de Energia (Copel), Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL), Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), Vale do Rio Doce, Gerdau, Petrobras, Ultrapar e Votorantim Celulose e Papel (VCP). Foram contabilizadas 124 informações ambientais nos formulários americanos, os chamados 20-F, enquanto, no Brasil, esse número cai para 85:

— A questão da falta de informação pode causar prejuízos até para as próprias empresas nesse momento atual de fusões e aquisições. Um exemplo é a a compra da argentina Pérez Companc pela Petrobras, iniciada em 2002, por US$338,4 milhões. Depois de verificados passivos ambientais inesperados, o preço caiu para US$329,9 milhões.

Obra gera “segunda geração de passivo ambiental”

Basta chover no Rio de Janeiro para o mais antigo passivo ambiental do estado vir à tona. São 20 milhões de metros cúbicos de lama contaminada, que, desde o fim dos anos 60, inundam a baía em forma de zinco, cádmio, chumbo e outros metais pesados. O passivo ambiental da falida Cia. Mercantil e Industrial Ingá está sendo dragado pela Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), um consórcio da alemã ThyssenKrupp e da Vale. Os pescadores da região alegam que a dragagem, que está sendo feita para permitir a construção do terminal siderúrgico da CSA, está espalhando lama contaminada na baía.

— As obras da CSA estão provocando uma segunda geração de passivos ambientais de Ingá — denuncia Luis Silva, presidente da Associação dos Pescadores do Canto dos Rios.

Ele está à frente de uma entidade que congrega 1.200 pescadores. Alguns deles abandonaram a profissão e viraram pedreiros. Com as obras, conta o sindicalista, o volume de pesca despencou de 300 quilos diários para 20 kg por dia.

A ThyssenKrupp e a Vale afirmam que não têm obrigação legal com esse passivo. Afirmam que a responsabilidade é do governo do estado. Por isso, não há provisão para recuperação da área.

Aracéli também questiona, em seu estudo, o fato de as empresas não considerarem provável e, portanto, reconhecerem como passivos, ações na Justiça pedindo indenização por danos ambientais. Há casos em que a sentença já foi contrária à empresa em duas instâncias, mas não há provisão para pagar indenização, se houver condenação em última instância. Ao se reconhecer a dívida e separar recursos, a empresa diminui o lucro e os dividendos aos acionistas:

— O princípio da contabilidade é a prudência. Ser otimista demais pode inchar o lucro, que poderá virar prejuízo mais tarde.

Segundo Alexandre Navarro, do escritório Navarro Advogados, especializado em questões ambientais, o seguro das empresas indica o passivo

— O seguro é, potencialmente, o tamanho do seu passivo ambiental.

Segundo Pedro Villani, gestor do Fundo Ethical, do ABN Amro Real, não é só na área ambiental que os dados no Brasil são insuficientes. Ele defende que a legislação brasileira nesse setor se torne mais rigorosa, a exemplo do que ocorre nos EUA.

— O Produto Interno Bruto (PIB, bens e serviços gerados no país) já nasceu ultrapassado, porque ele não considera qualquer variável ambiental. É como se economia fosse neutra em relação ao meio ambiente. É essa mesma premissa que domina o pensamento empresarial — diz Hugo Penteado, do ABN Amro e autor do livro “EcoEconomia”.

Se a empresa não tiver como quantificar seu passivo, diz o superintendente de Operações da Bovespa, Ricardo Nogueira, ela deve, pelo menos, divulgá-lo em balanço.

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