A reportagem a seguir, da The Economist da semana, comenta a variação nos preços específicos dos produtos. Uma das críticas ao uso do valor justo na contabilidade financeira é exatamente a variabilidade no processo de mensuração contábil. Será que a relação do custo x benefício seria favorável ao valor justo?
Como e por que os preços variam se a inflação é estável?
The Economist
Dos Estados Unidos à Nova Zelândia, a estabilidade de preços é o "objeto de desejo" dos bancos centrais. Muitos deles vivem nessa Terra Prometida, ou perto dela: a inflação nos preços ao consumidor é 2,1% nos EUA, 1,6% na zona do euro, 2,4% no Reino Unido e 0,6% no Japão. Seria de imaginar que, como o nível geral dos preços não está mudando muito, o mesmo estaria acontecendo com preços de cada produto individualmente. Isso não é, necessariamente, verdade, como estão descobrindo os economistas tanto nos EUA como na Europa.
Com que freqüência os preços individuais são alterados é uma questão importante. Modificações nos preços são como semáforos para a economia, sinalizando às pessoas comprar mais disso e menos daquilo, gastar ou poupar ou procurar novo emprego. Se os semáforos mudam prontamente, os recursos podem ser redirecionados harmoniosamente; se enguiçam, travam a economia.
Em especial, se nem os preços nem os salários caírem com facilidade, o custo - em produção e empregos - da redução da inflação pode ser alto. Estabilidade de preços também implica que um choque inflacionário - por exemplo, um aumento no preço do petróleo - pode levar muito tempo para repercutir pelo sistema.
Embora de grande relevância macroeconômica, as evidências sobre estabilidade de preços estão no detalhe microeconômico de milhares de preços. Até há pouco tempo, os economistas sabiam surpreendentemente pouco sobre com que freqüência e em que medida os preços mudam, porque o volume de informações necessário é enorme e freqüentemente sigiloso (idealmente, os analistas preferem trabalhar, por exemplo, com os números com que são calculados os índices de preços ao consumidor ou com leituras dos scanners dos supermercados). Recentemente, porém, diversos pesquisadores tiveram acesso a dados úteis e os vêm analisando.
A maior parte dessas primeiras análises foi feita nos EUA - e muitas delas examinaram os preços de apenas alguns produtos, como revistas em bancas de jornais ou produtos adquiridos por reembolso postal. As pesquisas concluíram que esses preços mudaram apenas cerca de uma vez por ano.
Mas um estudo publicado em 2004 por Mark Bils, da Universidade de Rochester, e Peter Klenow, da Universidade Stanford, descobriu que a maioria dos preços muda mais freqüentemente. Bils e Klenow usaram dados de 350 produtos e serviços acompanhados pelo Birô de Estatísticas do Trabalho para calcular o índice de preços ao consumidor. Eles estimaram que, de 1995 a 97, metade desses preços mudaram pelo menos a cada cinco meses.
Novas pesquisas feitas por Emi Nakamura e Jon Steinsson, ambos alunos de pós-graduação em Harvard, salientam a importância de liqüidações e promoções na freqüência das mudanças de preços nos EUA. Liqüidações são muito mais comuns em alguns mercados que em outros, respondendo por 87% das mudanças nos preços de roupas (por exemplo, liqüidação de queima de estoques), 67% no caso de móveis (todos aqueles sofás pela metade do preço) e 58% dos alimentos processados (as latas de feijoada estão novamente com descontos), mas não há liqüidações de combustíveis para automóveis ou de água e eletricidade, e são praticamente inexistentes no setor de serviços (você se lembra de algum advogado que tenha lhe oferecido um desconto?).
Depois de excluídos os efeitos de liqüidações e ofertas especiais, a duração mediana dos preços no varejo ficou entre 8 e 11 meses em 1998-2005. Levando em conta as liqüidações, a duração da estabilidade dos preços cai para a metade, portanto um resultado aproximadamente coerente com os obtidos por Bils e Klenow. É também relevante, mas apenas um pouco, que Nakamura e Steinsson tenham estudado um período posterior, quando a inflação era ligeiramente inferior: eles assinalam que uma inflação elevada induz o comércio a subir os preços mais freqüentemente.
As evidências na zona do euro, fruto de um projeto de três anos do Banco Central Europeu (BCE) e concluído neste ano, sugere que os preços lá mudam menos freqüentemente do que nos EUA. Os economistas europeus descobriram que os preços no varejo mudam a cada quatro ou cinco trimestres.
A eliminação dos efeitos das liqüidações, onde havia dados disponíveis, fez pouca diferença: aparentemente, as liqüidações têm repercussão muito menor do que nos EUA. Esse resultado é coerente com a percepção generalizada de que a zona do euro tem uma economia menos flexível e ágil do que os EUA. Apesar disso, a Europa está longe de ser rígida: mais de 40% das mudanças registradas nos preços foram reduções, um percentual bastante parecido com as estimativas para os EUA. As variações nos preços na Europa, quando aconteceram, tenderam a ser grandes, seja para cima ou para baixo: o aumento médio foi de 8% e a redução média foi 10%, numa inflação de aproximadamente 2%. As variações dos preços nos EUA, para cima ou para baixo, são também bem maiores do que a inflação.
Nos dois lados do Atlântico, a freqüência das mudanças no preços varia enormemente. De modo geral, quanto maior a participação de matérias-primas num produto, mais freqüentes são suas mudanças de preços - os preços da gasolina mudam, em média, em cinco de cada seis meses tanto nos EUA como na Europa; os preços de alimentos frescos são alterados muito mais freqüentemente do que os de alimentos processados. Os preços de serviços são mais estáveis do que os de produtos. Isso pode ser conseqüência de serviços tenderem a ser mais intensivos em mão-de-obra do que produtos e de os salários serem mais estáveis do que outros preços. Isso parece ser especialmente válido na Europa, onde os mercados de trabalho são menos flexíveis que nos EUA e os serviços são mais regulamentados.
Menos de 6% dos preços dos serviços compilados na pesquisa da zona do euro mudam todo mês. Nos EUA, Bils e Klenow estimam a freqüência em torno de 20%; Nakamura e Steinsson dizem que a freqüência é de 44% no caso de preços de viagens e 9% para outros serviços. Mas as comparações transatlânticas são dificultadas pela diferenças nos serviços estudados.
O que as autoridades monetárias podem aprender com essas pesquisas? De modo geral, a investigação deve ser, provavelmente, motivo de otimismo, e não apenas porque diz aos BCs muita coisa sobre como suas economias funcionam. Os economistas europeus dizem que a inflação tornou-se menos persistente com o passar do tempo, à medida que a política monetária passou a concentrar-se em estabilidade de preços e na manutenção de baixas expectativas inflacionárias. E as evidências sobre estabilidade de preços pode deixar os BCs nos dois lados do Atlântico mais confiantes na manutenção de inflação baixa - teoricamente uma tarefa difícil se os preços raramente caem. As pesquisas sugerem que os preços caem com bastante freqüência - os BCs, assim como os consumidores, podem agradecer por todos aqueles cortes de preços nas latas de feijoada. (Tradução de Sergio Blum)
fonte: Valor Econômico, 13/11
Nenhum comentário:
Postar um comentário