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19 novembro 2006

Poder da economia


Uma reportagem do mês passado mostra como é importante cultivar bons hábitos econômicos desde cedo. Utilizando como mote uma propaganda que incentiva o pai a presentear seu filho com um celular, a jornalista Mara Luquet, especialista em finanças pessoais, mostra que este mero presente, se trocado por aplicações financeiras, pode render um apartamento. É o poder dos juros compostos.

A seguir a reportagem, do Valor Econômico de 16 de outubro de 2006.

Em vez de celular, dê um apartamento para seu filho de 4 anos

Mara Luquet
Na última semana, foi possível ver o avanço tecnológico no portfólio de presentes para crianças. O que chamou mais a atenção foi um celular feito especialmente para crianças a partir dos 4 anos de idade.

Fala sério!!! Celular para crianças a partir de 4 anos?! Mas os produtos foram lançados porque há um enorme mercado. Crianças adoram celulares e os pais compram. Na verdade, os pais também adoram e há muitos argumentos em defesa, como a facilidade para encontrar seus filhos. Mas o fato é que crianças de 4 anos não andam desacompanhadas. E mesmo as mais velhas deveriam contar com mais atenção de seus pais do que simplesmente carregarem um celular. Mas essa é outra discussão.

A proposta é: dê um apartamento para seu filho, não o celular.

Simulação feita pelo economista Robinson Moraes, da equipe do Valor Data, mostrou que o valor desse celular, anunciado pela bagatela de R$ 800, pode render ao seu filho um bom dinheiro. Uma aplicação inicial de R$ 800, mais mensais de R$ 50 (o equivalente à conta de telefone, numa projeção muito conservadora) a uma taxa média anual de 8% chega ao final de 18 anos a R$ 26,6 mil. Se a carteira de investimento tiver um perfil mais agressivo e conseguir uma taxa média anual de 10% de retorno, o valor chega a R$ 33,3 mil.

Você pode então resgatar o dinheiro porque seu filho de 4 anos, que não ganhou o celular, terá 22. Mas se não o fizer e deixar aplicado por mais 20 anos, sem fazer nenhum aporte adicional, ele chegará à meia idade com um presente de R$ 155 mil (a uma taxa de 8% ao ano) ou de R$ 223 mil (a uma taxa de 10%). Um presentão que não exigiu nenhum esforço financeiro.

Adultos que aprendem na infância que os recursos são escassos costumam se tornar consumidores conscientes, o que faz bem não apenas para ele, mas para toda a comunidade. Sobre este tema vale a pena conhecer o trabalho do Instituto Akatu (www.akatu.org) e apresentá-lo também ao seu filho.

Agora, se você quer ajudar seu filho a alcançar a independência financeira e ainda contribuir para a boa saúde física e mental dele, então vá além. Aproveite a semana para fazer uma verdadeira limpeza nas quinquilharias eletrônicas que ele acumula no quarto. Comece pela televisão. É normal crianças e adolescentes terem suas próprias televisões no quarto. Um erro grave, segundo especialistas. Um estudo recente da Kaiser Family Foundation (www.kff.org) diz que 43% das crianças entre 4 e 6 anos têm televisão no quarto.

Esse mesmo grupo vê mais do que duas horas de TV por dia. A recomendação da Academia Americana de Pediatras (www.aap.org) é de que crianças acima de dois anos vejam no máximo duas horas de TV por dia. Para crianças abaixo de dois anos, a recomendação da academia é de que elas não assistam TV. No entanto, segundo a pesquisa da fundação Kaiser, mais de 40% dos bebês de até dois anos assistem TV todos os dias.

Quando questionados por que compraram a televisão para o quarto do filho, 55% dos pais responderam que essa era a forma de evitar brigas na hora da escolha da programação. O segundo motivo foi a capacidade da TV de manter o filho ocupado numa atividade segura, enquanto os pais podem cuidar de outros assuntos. Ou seja, nos dois casos, a TV resolve problemas dos pais, não dos filhos.

Já um trabalho da Academia Americana de Pediatria enumera os benefícios que as atividades físicas trazem não apenas para a saúde física, mas principalmente mental do seu filho. Jogar bola, correr, caminhadas, enfim, um lazer ativo é muito importante, segundo esse trabalho, para reduzir o estresse da criança e do adolescente e contribui fortemente para seu bem-estar.

Há muitos outros dados nas pesquisas apresentadas pela fundação Kaiser e que investigam crianças também em outras faixas etárias. Todas elas constatam que crianças e adolescentes estão perdendo muito do seu tempo com jogos eletrônicos, TV, computador, e atividades que podem comprometer seu bem-estar, com sérias implicações para o seu sucesso profissional e pessoal futuro.

O resumo dessa ópera é que ralos enormes no orçamento doméstico, como contas de telefone e de luz e ainda a pressão por gastos com as últimas novidades tecnológicas são criados pelos próprios pais. Eles vão buscar paliativos que custam caro. Mas, veja que ironia, o melhor investimento para seu filho não exige dinheiro, mas justamente o que lhe é mais caro: seu tempo.

Mara Luquet é editora da revista ValorInveste e autora do Guia Valor Econômico para o Planejamento da Aposentadoria

E-mail mara.luquet@valor.com.br

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