Reportagem da The Economist, traduzida para o Valor Econômico de hoje, comenta a abertura de capital do BICC. Observe o conteúdo do último parágrafo sobre a contabilidade.
Demanda por ação de banco chinês coloca à prova a economia do país
The Economist
Se uma única transação pudesse somar as certezas e as incertezas que cercam a aquecida economia da China, ela seria a abertura de capital do BICC, o Banco Industrial e Comercial da China.
O maior dos grandes bancos da China e o último dos relativamente saudáveis a listar suas ações em bolsa de valores, deverá colocar o preço em suas ações em 20 de outubro, com os negócios tendo início na semana seguinte. Essas datas estão sendo ansiosamente aguardadas em algumas partes da China.
No dia 9 de outubro, o prospecto preliminar foi publicado como um calhamaço de 600 páginas que foi parar nos escritórios de todos os bancos e fundos de hedge de Hong Kong. Qualquer um com um talão de cheques tinha uma opinião. É quase certo que a nova emissão, que será vendida em Hong Kong e Xangai, baterá o recorde de uma abertura de capital - os US$ 18,4 bilhões captados por uma companhia de telefonia móvel do Japão em 1998. Se o preço ficar perto do topo da faixa estabelecida (o que é provável), a venda vai levantar US$ 22 bilhões, colocando o BICC entre os dez bancos mais valiosos do mundo, com um valor de mercado próximo de US$ 130 bilhões. Como resultado, ele terá um grande peso nos índices de ações da região. Apostas no BICC farão - ou arruinarão - carreiras.
Uma apresentação feita em Hong Kong no início do mês para 170 investidores convidados atraiu uma multidão duas vezes maior. Ela deu início ao "road show" que chegou à Europa no fim de semana e vai seguir agora para os Estados Unidos. Magnatas de Hong Kong e investidores do Oriente Médio já estão envolvidos. Investidores institucionais americanos deverão ficar com a maior fatia separada.
É discutível o quanto desse marketing é necessário. Uma hora após o início da solicitação formal de ofertas pelos investidores institucionais, todos os papéis disponíveis haviam sido reservados. No fim do primeiro dia, os investidores haviam feito propostas para três vezes o número de ações em oferta. No fim do dia seguinte a subscrição havia sido nove vezes subscrita. Uma pequena fatia será reservada para os investidores de varejo nesta segunda-feira; a demanda deverá ser enorme, principalmente porque não haverá restrições à "troca" rápida de ações pelos investidores comuns se, conforme esperado, houver um estouro nos preços na abertura dos negócios.
Normalmente, com um negócio quente como este, banqueiros e executivos da companhia envolvida aumentariam o tamanho e o preço da oferta. Mas o BICC está sujeito a considerações políticas incomuns. Desde a problemática abertura de capital da China National Offshore Oil Corporation (CNOOC), em 1999, que fracassou em seu primeiro esforço, a China ansiava vender ações de maneira que satisfaça os investidores e não provoque embaraços ao governo - principalmente porque possui muitas companhias para colocar no mercado.
Uma venda bem-sucedida seria particularmente gratificante para o governo porque, para os investidores internacionais, o BICC é meio que um representante da própria China: imenso, diversificado, em rápido crescimento e com espaço extraordinário para reestruturação interna. Ele é, por todas as medidas relevantes, o maior banco da China, e o setor bancário chinês está ainda mais aquecido que a economia do país. Nos últimos cinco anos, todos os anos, os empréstimos pessoais cresceram 30%, os depósitos cresceram 19% e os empréstimos corporativos, cerca de 15%. Como as taxas dos depósitos são, por lei, baixas, e o spread entre eles e os juros dos empréstimos bem grande, o crescimento tem sido muito lucrativo. Os lucros do BICC dobraram nos últimos dois anos. Isso despertou a cobiça de outros bancos. O Goldman Sachs recebeu permissão para adquirir participação de 5,8% em abril por US$ 2,6 bilhões, o maior investimento que o banco americano já fez. O Goldman provavelmente terá triplicado o dinheiro investido até o fim do mês. Outros bancos americanos, que não conseguiram criar uma base no BICC, estão lutando para isso da maneira que podem. O Citigroup está nos estágios finais de dois anos para a compra de possivelmente 20% a 25% do Guangdong Development Bank (GDB), uma instituição problemática. O Morgan Stanley anunciou a aquisição do Nan Tung Bank, um dos poucos bancos chineses que, graças a uma brecha (é controlado pelo Banco da China através de uma subsidiária em Macau), poderá ser comprado. O negócio vai render licenças valiosas, mas o Nan Tung Bank é bem pequeno. Com apenas uma agência, 40 funcionários e negócios voltados exclusivamente para moedas que não a chinesa.
Mas o BICC, por mais valioso que seja, também reflete o lado mais sombrio da vida na economia chinesa. As considerações políticas sempre vêm primeiro, as informações não são confiáveis e a abertura do sistema bancário é questionável, apesar das condições impostas para a entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC).
Foi somente no ano passado que o governo injetou US$ 15 bilhões para cobrir créditos podres do BICC. Na ocasião, mais de um quinto do portfólio do banco era, segundo banqueiros, "non-performing" (empréstimos vencidos não pagos). Mesmo agora, apesar da implementação de sistemas de crédito modernos e da coibição das pressões de políticos pela concessão de empréstimos pouco vantajosos, quase 5% do portfólio envolve créditos podres.
Na última década ele reduziu o número de agências de 42 mil para 18 mil, mas poderá ter de enxugar mais. Ao contrário de muitos bancos chineses, o BICC não vem registrando problemas legais em seus escalões superiores, mas mesmo assim escândalos estão ocorrendo. Em fevereiro de 2005 o gerente da agência de Hunan foi condenado por suborno e sentenciado a 19 anos. Em abril, o assistente do gerente de uma agência em Guangdong foi declarado culpado em uma acusação parecida e pegou 12 anos de cadeia. O Tamanho do BICC também o torna vulnerável a fraudes do consumidor. Os bureaus de crédito são novos e inexperientes, o que significa que as análises dos tomadores de empréstimos podem não detectar aqueles que estão recebendo empréstimos de várias fontes.
Dependendo do preço final, o BICC provavelmente será avaliado em duas vezes o seu valor contábil, pouco abaixo dos valores de seus congêneres. Este é um múltiplo modesto para um bom banco de uma boa economia, mas maior que os dos bancos da Coréia do Sul e de Taiwan, que não têm as mesmas perspectivas de crescimento. Por outro lado, eles não estão envoltos nos mesmos mistérios. Na China, os céticos (e eles são raros) perguntam, o que é contabilidade? Quanto os ativos valem realmente? Suas vozes certamente não serão ouvidas em meio ao forte clamor pelas ações.
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