Notícia enviada por Gustavo Catão, publicada na the Economist e traduzida pelo Valor Econômico:
Jamie Olis sabe melhor que muita gente que as idéias maquinadas pelos economistas em suas torres de marfim podem ter um grande efeito no mundo real. Esse contador, condenado por fraude na época em que trabalhava na Dynergy, uma trading de energia, está preso desde março de 2004, em boa parte graças a uma teoria econômica controversa, a hipótese do mercado eficiente. Em outubro, uma corte de apelação anulou a condenação de Olis a 24 anos de prisão porque o juiz Sim Lake, que o sentenciou, fez uma interpretação econômica errada. Olis continua preso, aguardando nova sentença, de novo pelo juiz Lake. Ela será precedida de uma nova audiência, prevista para amanhã, que deve ser dominada pelo debate sobre eficiência do mercado.
Em resumo, a hipótese da eficiência do mercado, desenvolvida nos anos 50 e 60, diz que, sob certas condições, o preço de mercado de um ativo, uma ação, por exemplo, reflete integral e acuradamente todas as informações relevantes disponíveis sobre o seu valor. Num mercado eficiente, a única razão para que um preço mude é a divulgação de novas informações.
Essa hipótese influenciou imensamente o mundo das finanças, tornando-se base para outras teorias sobre temas como seleção de portfolios e precificação de opções. Mais relevante para Olis, ela tem a rara distinção, para um teoria econômica, de ter a aprovação da Suprema Corte americana.
Em 1988, ao julgar o caso Basic Inc. x Levinson, a corte endossou a teoria conhecida como "fraude contra o mercado", que se escora na hipótese do mercado eficiente. Como os preços de mercado refletem todas as informações disponíveis, disse a corte, informações enganosas de uma empresa vão afetar o preço de suas ações. Assim, informações enganosas lesam os compradores de ações da empresa, mesmo que eles não dependam diretamente dessas informações ou não estejam a par delas.
Essa decisão se mostrou uma mina de ouro para os advogados nos EUA, que ganharam fortunas processando empresas por prejuízos quando notícias (na prática, em geral, uma revisão de balanços das empresas) derrubam os preços de ações. A queda é tratada como uma prova de superavaliação devida a informação inicial incorreta.
Com freqüência, uma lógica similar tem sido usada em ações penais, como Olis descobriu. A sua sentença de 24 anos deriva de um cálculo do prejuízo financeiro causado aos investidores na Dynergy pelo Projeto Alfa, uma fraude contábil da qual Olis participou. Esse prejuízo foi estimado usando a queda no preço das ações da Dynergy após se noticiar que o Projeto Alfa era uma fraude. Para o juiz Lake, o prejuízo foi tão grande que, pelas diretrizes para sentenças então em vigor, Olis teria de ficar preso por um longo tempo.
Ao anular a sentença, a corte de apelo afirmou que o juiz Lake atribuiu um peso demasiado ao Projeto Alfa na queda das ações da Dynergy, e considerou pouco outras causas. Esta semana, a defesa e a acusação vão ambas usar economistas como testemunhas para debater exatamente quanto do prejuízo pode ser atribuído ao Projeto Alfa. Isso colocará em evidência várias questões técnicas espinhosas da aplicação da hipótese do mercado eficiente em casos de fraudes.
Segundo o especialista chamado pela Promotoria, Frank Graves, da consultoria Brattle Group, o Projeto Alfa foi responsável por US$ 4,45 dos US$ 11,13 de queda nas ações da Dynergy em 25 e 26 de abril de 2002, após a empresa anunciar que estava reduzindo sua previsão de lucro devido à fraude. Para a promotoria, isso justifica uma pena de 15 anos para Olis.
Mas num estudo elaborado a pedido de Olis, Joseph Grundfest, professor de direito na Universidade Stanford e ex-comissário da Securities and Exchange Commision (SEC, a CVM americana), diz que Graves cometeu vários erros técnicos. Se corrigidos, diz Grundfest, que está trabalhando "pro bono", a conclusão é bem diferente: Graves, ele diz, "não conseguiu provar em qual momento nem por qual valor o Projeto Alfa inflou as ações da Dynergy" nem que "alguma porção da queda no preços das ações da Dynergy" nas datas em questão possa ser atribuída ao Projeto Alfa.
Entre outras coisas, Grundfest notou que o mercado já estava digerindo notícias bem mais sérias: que a Dynergy estava sendo investigada pela SEC por negócios não relacionados ao Projeto Alfa; e a ameaça do então governador da Califórnia, Gray Davis, de que tentaria recuperar na Justiça o lucro obtido por traders de energia, incluindo a Dynergy e sua rival, a Enron, com a exploração das falhas na regulamentação do setor de energia no Estado.
Mais importante, o Projeto Alfa foi criado para antecipar a data na qual alguns lucros poderiam ser contabilizados nos balanços da Dynergy; mas o seu efeito geral no fluxo de caixa da empresa ao longo desse período foi neutro.
Certamente, num mercado eficiente, os investidores olhariam além do balanço, para a realidade econômica subjacente, argumenta Grundfest, assim que o efeito da fraude no preço das ações seria negligenciável. De fato, ele observa, o preço das ações da Dynergy não caiu em 3 de abril, quando a imprensa noticiou pela primeira vez os problemas com o Projeto Alfa, o que não foi considerado na avaliação feita por Graves.
Nenhuma dessas objeções desafia o uso da hipótese do mercado eficiente. Ainda assim, há anos a hipótese está sob crescente e intenso ataque no meio acadêmico, o que vem sendo ignorado pelo Judiciário.
Num estudo recente, Bradford Cornell, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, e James Rutten, do escritório de advocacia Munger, Tolles e Olson, de Los Angeles, argumentam que, mesmo mercados financeiros altamente desenvolvidos, como a Bolsa de Valores de Nova York, não são eficientes o suficiente para permitir que os tribunais usem as quedas no preço das ações para calcular o prejuízo financeiro causado por uma fraude.
Em especial, os mercados com freqüência reagem desproporcionalmente às notícias, especialmente às notícias ruins. Portanto, eles concluem que estimativas de prejuízos baseadas na hipótese e na oscilação do preço das ações serão exageradas. Se o juiz Lake tiver passado os últimos meses se atualizando em economia, talvez Olis saia da prisão muito antes do que pensava.
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